– Vê algum mal nisso?

– Mal? E por que haveria mal nisso? Mas deve ser aborrecido mostrar as coisas de vocês às visitas – acrescentou, pensativo.

– Não, se as visitas as apreciam.

– Não será difícil viver à altura dos seus antepassados? – continuou ele.

– O que sei é que eu mesma não ousaria escrever poemas

– respondeu Katharine.

– Não. E é isso que eu detestaria. Não poderia suportarque meu avô me tivesse fechado essa porta ou qualquer porta – continuou Denham, olhando em volta com ar crítico, ou pelo menos foi o que Katharine pensou. – E não é só oseu avô. Você está limitada por todos os lados. Suponho quevocê descenda de uma das mais ilustres famílias da Inglaterra.Dos Warburtons e dos Mannings, e é aparentada com osOtways também, se não me engano? Li sobre isso em alguma revista – disse.

– Os Otways são meus primos – respondeu Katharine.

– Aí está – disse Denham, conclusivamente, como se o argumento tivesse sido demonstrado. – Pois eu não vejo que tenha provado alguma coisa – disse Katharine.

Denham sorriu, de maneira particularmente provocante. Estava divertido e contente de ver que tinha o poder de pelo menos irritar essa anfitriã desatenta e altiva já que não conseguia fazer-lhe impressão. Teria preferido fazer-lhe impressão.

Ficou sentado, calado, segurando nas mãos o precioso livrinho de poemas, que nem abrira, e Katharine o observava, e a expressão contemplativa e melancólica se acentuava em seus olhos à medida que a irritação desmaiava.Parecia considerar muitas coisas ao mesmo tempo. Esquecera seus deveres.

– Muito bem – disse Denham, abrindo de chofre o pequeno livro de versos, como se tivesse dito tudo o quedecentemente podia ou queria dizer. Virou as páginas comgrande determinação, como se estivesse a julgar o livro nasua totalidade, impressão, papel, encadernação, tanto quantoa poesia, e então, aparentemente satisfeito com suas boas oumás qualidades, colocou-o outra vez na secretária e examinou a bengala de cana de malaca com castão de ouro quepertencera ao soldado.

– Mas não é orgulhoso, o senhor, da sua família?

– Não – disse Denham. – Nunca fizemos coisa algumade que nos pudéssemos orgulhar, a não ser que pagar ascontas em dia seja motivo de orgulho.

– Isso parece maçante.

– Você nos acharia terrivelmente maçantes – concordou Denham.

– Sim, talvez eu os achasse maçantes – disse Katharine –, mas não penso que os acharia ridículos – acrescentou, comose Denham tivesse feito tal acusação aos seus.

– Não, porque de modo algum somos ridículos. Somos uma família respeitável, de classe média, que vive em Highgate.

– Nós não vivemos em Highgate, mas somos classe média também, imagino.Denham limitou-se a sorrir e, pondo a bengala de malaca de volta no cabide, tirou uma espada da sua bainha ornamental.

– Essa pertenceu a Clive, ou pelo menos é o que a gente diz aqui – disse Katharine, retomando automaticamente suas obrigações de dona-de-casa.

– E é falso? – inquiriu Denham.

– É uma tradição de família. Não sei se podemosprová-la.

– Veja você, nós não temos tradições na nossa família – disse Denham.

Vocês me parecem muito maçantes – repetiu Katharine.

Apenas classe média – disse Denham.

– Vocês pagam suas contas e vocês dizem a verdade. Nãovejo por que nos devam desprezar.Com todo o cuidado, Mr. Denham enfiou de novo na bainha a espada que os Hilberys diziam haver pertencido aLord Clive.

– Eu não gostaria de ser um de vocês. Foi tudo o que eudisse – replicou Denham, como se tentasse exprimir o maisacuradamente possível o que pensava.

– Não. Mas ninguém quer ser, jamais, outra pessoa qualquer.

– Então, por que não um de nós? – perguntou Katharine.

Denham fitou-a. Sentada na cadeira de braços do seu avô, brincando com a bengala de cana do seu tio-avô, que girava, macia, entre os dedos, tendo por fundo igualmente olustre da pintura azul e branco e o carmesim dos livros, gravados a ouro, a vitalidade e serenidade de sua atitude, como a de um pássaro de viva plumagem pousado e em repousoantes de novas viagens, provocava-o a mostrar-lhe as limitações do seu destino. Tão facilmente, tão rapidamente, se-ria ele esquecido!

– Você nunca saberá coisa nenhuma de primeira mão – começou, quase ferozmente. – Tudo já foi feito para você.Você nunca saberá o prazer de comprar uma coisa depois de ter economizado para isso, ou o de ler um livro pela primeira vez, ou de fazer descobertas.

– Continue – disse Katharine, quando ele fez uma pausa,de súbito, ao ouvir a própria voz proclamar alto e bom somesses fatos, em dúvida sobre se havia neles alguma verdade.

– Naturalmente, não sei como emprega seu tempo – continuou ele, um tanto formal –, mas suponho que tem demostrar a casa às pessoas. Está escrevendo uma biografia doseu avô, não está? E essa espécie de coisa – fez um sinal em direção ao outro cômodo, onde podiam ouvir explosões deriso educado – deve tomar grande parte do seu tempo.Ela o olhou, expectante, como se estivessem a enfeitar,juntos, uma pequena reprodução dela mesma, e o visse he-sitar na colocação de algum laçarote ou faixa.

– O senhor percebeu a coisa muito bem – disse ela –, mas apenas ajudo minha mãe. Eu mesma não escrevo.

– E faz alguma outra coisa você mesma? – perguntou.

– O que quer dizer com isso? – perguntou ela. – Não deixo a casa às dez para voltar às seis.

– Não foi isso que eu quis dizer.

Mr. Denham recobrara seu antocontrole. Falou com uma calma que pôs Katharine aflita. Por que teria de explicar-se? Mas,ao mesmo tempo,queria aborrecê-lo,impeli-losuavemente para longe dela, uma leve aragem de ridículo ousátira, como fazia habitualmente com os intermitentes protegidos de seu pai.

– Ninguém faz, jamais, qualquer coisa que realmente valha a pena, hoje em dia – disse ela. O senhor vê – e bateu namesa com o livro de poemas do avô –, nós nem sabemosimprimir tão bem quanto eles o faziam. E quanto a poetas ou pintores ou romancistas – não há nenhum. Assim, de uma ou de outra forma, não sou um caso excepcional.

– Não, não temos nenhum grande homem – replicouDenham – e fico muito feliz com isso.