Vim para cá sem nenhum objetivo exceto ajudá-lo. Diga-me francamente o que é que o desagrada.”
Barrymore hesitou por um momento, como se estivesse arrependido de seu ímpeto, ou achasse difícil expressar seus próprios sentimentos em palavras.
“São todas essas coisas estranhas, senhor”, exclamou ele por fim, acenando a mão para a janela fustigada pela chuva que dava para a charneca. “Há uma perfídia em algum lugar, uma vileza sinistra se preparando, isso eu posso jurar! Eu ficaria muito contente, senhor, vendo Sir Henry de volta a Londres novamente!”
“Mas que é que o assusta?”

“Então você sabe que há um outro homem?”
[Sidney Paget, Strand Magazine, 1902]
“Veja a morte de Sir Charles! Aquilo foi bastante ruim, apesar de tudo que o investigador disse. Veja os ruídos na charneca à noite. Nenhum homem ousaria atravessá-la depois do pôr do sol, nem que lhe pagassem. Veja esse estranho se escondendo lá longe, e observando e esperando. O que está esperando? O que significa isso? Não significa nada de bom para ninguém com o nome Baskerville, e ficarei muito satisfeito por deixar tudo isto no dia em que os novos criados de Sir Henry estiverem prontos para tomar conta do Solar.”
“Mas sobre esse forasteiro”, disse eu. “Pode me dizer alguma coisa sobre ele? Que disse Selden? Ele descobriu onde o homem se escondia ou que estava fazendo?”
“Ele o viu uma ou duas vezes, mas o sujeito é muito astuto e não dá nada a perceber. A princípio pensou que era da polícia, mas logo descobriu que ele tinha um objetivo próprio. Era uma espécie de cavalheiro, pelo que pôde ver, mas o que estava fazendo Selden não conseguiu discernir.”
“E onde disse que ele morava?”
“Entre as casas velhas na encosta do morro — as cabanas de pedra em que o povo antigo vivia.”
“Mas e quanto à sua comida?”
“Selden descobriu que ele tem um menino a seu serviço, que lhe leva tudo de que precisa. Suponho que vai buscar o que quer em Coombe Tracey.”
“Muito bem, Barrymore. Podemos falar mais sobre isso em outra ocasião.”
Depois que o mordomo saiu, fui até a janela escura e olhei através de uma vidraça embaçada para as nuvens rápidas e para a silhueta agitada das árvores açoitadas pelo vento. Era uma noite tenebrosa dentro de casa, e como devia ser numa cabana de pedra na charneca? Que ódio apaixonado pode ser esse que impele um homem a se esconder num lugar assim com um tempo destes? E que objetivo profundo e importante pode ter que exija tamanha provação? Lá, naquela cabana na charneca, parece residir o próprio cerne desse problema que tanto me atormenta. Juro que não se passará nem mais um dia sem que eu faça tudo que é humanamente possível para chegar ao âmago do mistério.
XI. O HOMEM SOBRE O PENHASCO
O TRECHO DE MEU DIÁRIO privado que forma o último capítulo trouxe minha narrativa ao dia 18 de outubro, data em que esses estranhos eventos começaram a avançar rapidamente para seu terrível desfecho. Os incidentes dos dias seguintes estão indelevelmente gravados na minha lembrança e posso contá-los sem me referir às anotações feitas na época. Começo, portanto, no dia seguinte àquele em que eu havia estabelecido dois fatos de grande importância: primeiro, que Mrs. Laura Lyons de Coombe Tracey havia escrito a Sir Charles Baskerville e marcado um encontro com ele no mesmo lugar e hora em que ele encontrou a morte, e segundo, que o homem que se escondia na charneca poderia ser encontrado entre as cabanas de pedra da encosta. De posse desses dois fatos, senti que ou minha inteligência ou minha coragem deviam ser deficientes se eu não conseguisse lançar mais alguma luz sobre esses lugares misteriosos.
Não tive oportunidade de contar ao baronete o que ficara sabendo a respeito de Mrs. Lyons na noite anterior, porque ele ficou jogando cartas com o dr. Mortimer até muito tarde. No desjejum, porém, informei-o de minha descoberta e perguntei-lhe se gostaria de me acompanhar a Coombe Tracey. De início ele se mostrou muito ansioso por ir, mas, pensando bem, pareceu-nos a ambos que se eu fosse sozinho os resultados poderiam ser melhores. Quanto mais formal tornássemos a visita, menos informação poderíamos obter. Assim, deixei Sir Henry para trás, não sem algum remorso, e parti de trole para minha investigação.
Chegando a Coombe Tracey, disse a Perkins para guardar os cavalos e fiz indagações acerca da senhora a quem fora interrogar. Não tive nenhuma dificuldade em descobrir sua morada, que era central e bem-mobiliada. Uma criada recebeu-me sem cerimônia, e quando entrei na sala uma senhora que estava sentada diante de uma máquina de escrever Remington pôs-se de pé de um salto com um agradável sorriso de boas-vindas. Ficou desapontada, porém, quando viu que eu era um desconhecido, e, sentando-se de novo, perguntou qual era o objetivo da minha visita.
A primeira impressão que tive de Mrs. Lyon foi de extrema beleza. Seus olhos e cabelo tinham a mesma intensa cor de avelã, e suas faces, embora bastante sardentas, eram coradas pelo viço delicado das morenas, o rosado suave que se esconde no coração da rosa sulfúrica.
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