A admiração foi, repito, a primeira impressão. Mas a segunda foi desaprovação. Havia algo de sutilmente errado em seu rosto, certa vulgaridade de expressão, alguma dureza, talvez, do olhar, alguma frouxidão dos lábios que comprometiam sua beleza perfeita. Mas estas, é claro, são reflexões posteriores. No momento tive consciência simplesmente de estar na presença de uma mulher muito bonita, e de que ela perguntava as razões de minha visita. Não compreendera até aquele instante como minha missão era delicada.
“Tive o prazer”, disse eu, “de conhecer seu pai.”
Foi uma apresentação canhestra, e a dama me fez sentir isso.
“Não há nada em comum entre meu pai e eu”, disse ela. “Não lhe devo nada, e seus amigos não são meus amigos. Não tivesse sido pelo finado Sir Charles Baskerville e alguns outros corações bondosos, eu poderia ter morrido à míngua e meu pai pouco teria se importado.”
“É a respeito do finado Sir Charles Baskerville que venho vê-la.”
As sardas sobressaíram no rosto da dama.
“Que posso lhe dizer sobre ele?” perguntou ela, seus dedos brincando nervosamente sobre as teclas da máquina de escrever.
“A senhora o conhecia, não é?”
“Já disse que devo muito à bondade dele. Se tenho condições de me sustentar é grande parte graças ao interesse que ele demonstrou por minha infeliz situação.”
“A senhora se correspondia com ele?”
A dama olhou rapidamente para mim, com um brilho de irritação nos olhos cor de avelã.
“Qual é o objetivo dessas perguntas?” perguntou rispidamente.
“O objetivo é evitar escândalo público. É melhor que eu as faça aqui do que vermos o assunto escapar ao nosso controle.”
Ela ficou em silêncio, com o semblante muito pálido. Por fim levantou os olhos, com algo de afoito e desafiante em suas maneiras.
“Bem, vou responder”, disse. “Quais são as suas perguntas?”
“A senhora se correspondia com Sir Charles?”
“Certamente lhe escrevi uma ou duas vezes para agradecer sua delicadeza e generosidade.”
“Tem as datas dessas cartas?”
“Não.”
“Encontrou-se com ele alguma vez?”
“Sim, uma ou duas vezes, quando ele veio a Coombe Tracey. Ele era um homem muito recluso, e preferia fazer o bem sub-repticiamente.”
“Mas se o via tão raramente e lhe escrevia tão raramente, como ele sabia o suficiente sobre seus problemas para ajudá-la, como diz que fez?”
Ela enfrentou minha objeção com a máxima presteza.
“Vários cavalheiros sabiam de minha triste história e se uniram para me ajudar. Um foi Mr. Stapleton, um vizinho e amigo íntimo de Sir Charles. Ele foi extremamente bondoso, e foi através dele que Sir Charles soube de meus problemas.”
Como eu já sabia que Sir Charles Baskerville fizera de Stapleton seu esmoler em diversas ocasiões, a afirmação da dama soou verdadeira.
“Alguma vez escreveu a Sir Charles pedindo que fosse ao seu encontro?” continuei.
Mrs. Lyon corou de raiva novamente.
“Realmente, senhor, esta é uma pergunta muito inusitada.”
“Lamento, madame, mas devo repeti-la.”
“Então eu respondo… certamente não.”
“Nem no próprio dia da morte de Sir Charles?”

“Realmente, senhor, esta é uma pergunta muito inusitada.”
[Sidney Paget, Strand Magazine, 1902]
O rubor se desvanecera num instante, e uma face mortalmente pálida estava diante de mim. Seus lábios secos não conseguiram pronunciar o “Não” que mais vi que ouvi.
“Com certeza está sendo traída pela memória”, disse eu. “Eu poderia até citar uma passagem de sua carta. Ela dizia: ‘Por favor, por favor, como é um cavalheiro, queime esta carta, e esteja no portão às dez horas.’”
Pensei que ela tinha desmaiado, mas recobrou-se mediante um esforço supremo.
“Então não existem cavalheiros?” perguntou, arfante.
“A senhora está fazendo uma injustiça a Sir Charles. Ele queimou a carta. Mas por vezes uma carta pode ser legível mesmo queimada. Reconhece agora que a escreveu?”
“Sim, eu a escrevi”, exclamou ela, extravasando sua alma numa torrente de palavras. “Eu a escrevi. Por que o negaria? Não tenho motivo para me envergonhar disso. Queria que ele me ajudasse. Acreditava que se tivéssemos uma conversa eu poderia obter sua ajuda, e assim pedi que fosse ao meu encontro.”
“Mas por que numa hora como aquela?”
“Porque eu acabara de ficar sabendo que ele estava de partida para Londres no dia seguinte e poderia passar meses fora. Havia razões que me impediam de chegar lá mais cedo.”
“Mas por que um encontro no jardim em vez de uma visita à casa?”
“Supõe que uma mulher poderia ir sozinha àquela hora à casa de um homem solteiro?”
“Bem, que aconteceu quando chegou lá?”
“Não fui.”
“Mrs. Lyons!”
“Não, eu lhe juro por tudo que me é mais sagrado. Não fui.
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