Algo interveio para me impedir de ir.”
“Que foi?”
“Isso é um assunto privado. Não o posso revelar.”
“Admite, então, que marcou um encontro com Sir Charles exatamente na hora e lugar em que ele encontrou a morte, mas nega ter ido a esse encontro?”
“Essa é a verdade.”
Interroguei-a muitas vezes, mas não obtive nada além disso.
“Mrs. Lyons”, disse eu, ao me levantar depois dessa longa e inconclusiva entrevista, “a senhora está assumindo uma enorme responsabilidade e se pondo numa posição muito falsa ao não confessar minuciosamente tudo que sabe. Se eu tiver de pedir a ajuda da polícia, verá como está seriamente comprometida. Se é inocente, por que começou por negar ter escrito para Sir Charles naquela data?”
“Porque temi que alguma conclusão falsa pudesse ser tirada disso, e que eu pudesse me ver envolvida num escândalo.”
“E por que insistiu tanto com Sir Charles para que destruísse a carta?”
“Se leu a carta, sabe.”
“Não disse que li toda a carta.”
“Citou parte dela.”
“Citei o pós-escrito. A carta, como eu disse, havia sido queimada e não era toda legível. Volto a lhe perguntar: por que insistiu tanto para que Sir Charles destruísse essa carta que recebeu no dia de sua morte?”
“É um assunto muito particular.”
“Maior razão para a senhora evitar uma investigação pública.”
“Então vou lhe contar. Se ouviu alguma coisa de minha infeliz história, sabe que fiz um casamento temerário e tive razões para lamentá-lo.”
“Isso eu soube.”
“Minha vida tem sido uma incessante perseguição por parte de um marido que abomino. A lei está do lado dele, e todos os dias enfrento a possibilidade de que ele possa me obrigar a viver consigo. Na ocasião em que escrevi essa carta para Sir Charles eu soubera que tinha chances de recuperar minha liberdade se pudesse arcar com certas despesas. Isso significava tudo para mim — paz de espírito, felicidade, autorrespeito —, tudo. Eu conhecia a generosidade de Sir Charles, e pensei que se ele ouvisse a história de meus próprios lábios, iria me ajudar.”
“Então por que não foi?”
“Porque nesse meio-tempo recebi ajuda de uma outra fonte.”
“Por que, então, não escreveu a Sir Charles explicando isso?”
“Era o que eu teria feito, se não tivesse sabido de sua morte pelo jornal na manhã seguinte.”
A história da mulher era coerente, e todas as minhas perguntas foram incapazes de abalá-la. Eu só poderia verificá-la descobrindo se ela havia de fato movido uma ação de divórcio no momento da tragédia ou por volta dele.
Era improvável que ela se atrevesse a dizer que não estivera no Solar Baskerville se de fato tivesse estado, pois certamente teria precisado de uma charrete para levá-la lá e não poderia ter voltado para Coomber Tracey antes das primeiras horas da manhã. Uma excursão como essa não poderia ser mantida em segredo. Tudo indicava, portanto, que dizia a verdade, ou, pelo menos, parte da verdade. Saí de lá frustrado e desanimado. Mais uma vez chegara àquele beco sem saída em que parecia terminar cada caminho pelo qual eu tentava chegar ao objetivo de minha missão. No entanto, quanto mais eu pensava no semblante e nas maneiras da dama, mais sentia que alguma coisa me estava sendo escondida. Por que empalidecera tanto? Por que tentara lutar contra cada confissão, até que ela lhe fosse imposta? Por que teria sido tão reticente por ocasião da tragédia? Sem dúvida a explicação de tudo isso não podia ser tão inocente quanto ela gostaria de me fazer acreditar. Naquele momento eu não podia ir mais longe naquela direção, era hora de retornar àquela outra pista que devia ser procurada entre as cabanas de pedra da charneca.
E essa era uma direção muito vaga. Dei-me conta disso na viagem de volta, e notei como morro após morro mostrava vestígios do povo antigo. A única indicação de Barrymore fora que o estranho vivia numa dessas cabanas abandonadas, e muitas centenas delas espalhavam-se por toda a extensão da charneca. Mas eu tinha minha experiência como guia, já que vira o homem postado sozinho no alto do pico Negro. Aquele, portanto, deveria ser o centro de minha busca. A partir dali eu deveria explorar cada cabana da charneca até encontrar a certa. Se esse homem estivesse dentro dela eu deveria ouvir de seus próprios lábios, apontando o revólver se necessário, quem era ele e por que nos perseguira por tanto tempo. Ele podia ter nos escapado em meio à multidão de Regent Street, mas isso não lhe seria tão fácil na charneca deserta. Por outro lado, se eu encontrasse a cabana, e seu morador não estivesse dentro dela, eu devia ficar ali, por mais que a vigília fosse longa, até ele voltar. Holmes o deixara escapar em Londres. Seria realmente um triunfo para mim se conseguisse capturá-lo quando meu mestre fracassara.
A sorte estivera contra nós muitas e muitas vezes nessa investigação, mas agora por fim ela veio em minha ajuda.
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