Era, pelo menos, absolutamente eficaz. Por ordem dele ela consentiu em se passar por sua irmã, embora ele tenha encontrado os limites de seu poder sobre ela quando tentou torná-la cúmplice direta num assassinato. Ela estava pronta a advertir Sir Henry, desde que pudesse fazê-lo sem incriminar o marido, e tentou-o muitas vezes. O próprio Stapleton parece ter sido capaz de ciúme, e quando viu o baronete cortejando a dama, muito embora isso fosse parte de seu plano, não conseguiu se impedir de interferir com uma explosão apaixonada que revelou a alma irascível que suas maneiras controladas ocultavam tão habilmente. Ao estimular a intimidade, ele assegurou que Sir Henry iria frequentemente à Casa Merripit, dando-lhe mais cedo ou mais tarde a oportunidade que desejava. No dia da crise, entretanto, sua esposa voltou-se subitamente contra ele. Ela ouvira alguma coisa sobre a morte do prisioneiro, e sabia que o cão estava sendo mantido na casinhola na noite em que Sir Henry viria jantar. Acusou o marido pelo crime que pretendia cometer, e seguiu-se uma cena furiosa, em que ele lhe mostrou pela primeira vez que ela tinha uma rival em seu amor. A fidelidade da mulher transformou-se num instante em ódio acrimonioso, e ele percebeu que ela o trairia. Amarrou-a, portanto, para que não tivesse chance de avisar Sir Henry, e esperava, certamente, que quando toda a região atribuísse a morte do baronete à maldição de sua família, como certamente faria, seria capaz de convencer a mulher a aceitar um fato consumado e silenciar o que sabia. Nisso eu suponho que, de todo modo, ele cometeu um erro de cálculo, e que, mesmo que não estivéssemos lá, seu destino estaria selado. Uma mulher de sangue espanhol não perdoa uma afronta como essa tão facilmente. E agora, meu caro Watson, sem me referir às minhas anotações, não posso lhe fazer um relato mais detalhado desse curioso caso. Parece-me que nada de essencial ficou sem explicação.”
“Ele não podia ter esperança de matar Sir Henry de medo, como fizera com o velho tio, com seu cão espectral.”
“O animal era feroz e estava faminto. Se sua aparência não matasse a vítima de medo, pelo menos paralisaria a resistência que pudesse ser oferecida.”
“Sem dúvida. Só resta uma dificuldade. Se Stapleton recebesse a herança, como poderia explicar o fato de que ele, o herdeiro, tinha vivido sem se declarar, sob um outro nome, tão perto da propriedade? Como poderia reivindicá-la sem suscitar desconfiança e investigação?”
“É uma dificuldade tremenda, e receio que você esteja pedindo muito de mim ao esperar que eu a resolva. O passado e o presente estão no campo de minha investigação, mas o que um homem pode fazer no futuro é uma questão difícil de responder. Mrs. Stapleton ouviu o marido discutir o problema em diversas ocasiões. Havia três cursos possíveis. Ele poderia reivindicar a propriedade a partir da América do Sul, comprovar sua identidade perante as autoridades inglesas de lá, e assim obter a fortuna sem jamais pôr os pés na Inglaterra; ou poderia adotar um elaborado disfarce durante o curto tempo que precisava passar em Londres; ou, ainda, fornecer as provas e os papéis a um cúmplice, apresentando-o como o herdeiro, e conservando o direito sobre certa proporção de sua renda. Não podemos duvidar, pelo que conhecemos dele, de que teria encontrado algum meio de sair da dificuldade. E agora, meu caro Watson, tivemos algumas semanas de trabalho árduo, e acredito que, por uma noite, podemos voltar nossos pensamentos para coisas mais agradáveis. Tenho um camarote para Les Huguenots. Já ouviu falar de De Reszkes? Poderia então lhe pedir que esteja pronto em meia hora, de modo a podermos passar no Marcini’s para um jantarzinho no caminho?”
Fonte
Traduzido dos fascículos mensais de The Hound of the Baskervilles publicados entre agosto de 1901 e abril de 1902 na Strand Magazine, periódico britânico que levou os casos e a figura de Sherlock Holmes ao conhecimento do grande público.
Sobre o autor
Sir Arthur Conan Doyle (1859-1930) foi médico e escritor. Sua obra contempla gêneros tão diversos quanto ficção científica, romances históricos, poesia e não ficção, mas seu maior reconhecimento se deve sem dúvida às histórias do detetive Sherlock Holmes, que incluem contos e romances.
CLÁSSICOS ZAHAR
em EDIÇÃO BOLSO DE LUXO
textos integrais
Alice
Aventuras de Alice no País das Maravilhas & Através do espelho Lewis Carroll
As aventuras de Sherlock Holmes
O cão dos Baskerville
Arthur Conan Doyle
O conde de Monte Cristo
Os três mosqueteiros
Alexandre Dumas
Contos de fadas
Perrault, Grimm, Andersen & outros
20 mil léguas submarinasa
Jules Verne
O mágico de Oz
L. Frank Baum
Títulos disponíveis também em Edição Comentada e Ilustrada
a Em preparação
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Edição digital: abril 2013
ISBN: 978-85-378-1078-1
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