O que sucede é que, na concepção marxiana, este regulador opera através de contradições e desequilíbrios sempre renovados. Contradições e desequilíbrios inerentes à essência das relações de produção capitalistas e não meras disfunções, por isso mesmo sanáveis, como as conceberia o funcionalismo.

V. Capital, Fetichismo e Acumulação Originária

O desenvolvimento da forma do valor — o valor de troca — conduz ao surgimento do dinheiro. Este não foi um dispositivo expressamente

“inventado” para resolver dificuldades técnicas na realização cada vez mais complexa das trocas e dos pagamentos, embora viesse a servir para tal fim. Por meio da demonstração dialética, ressaltou Marx que a necessidade do dinheiro já está implícita na relação mercantil mais simples e casual. Assim que as trocas mercantis se reiteram e multiplicam, é inevitável que se selecione entre as mercadorias aquela cujo valor de uso

representado por suas qualidades físicas — consistirá na reflexão do trabalho abstrato de toda a sociedade, na encarnação indiferente do valor de todas as mercadorias. Os metais preciosos (ouro e prata) foram, afinal, selecionados para esta função de mercadoria absoluta.

A circulação monetária constitui premissa necessária, porém não suficiente para o surgimento do modo de produção capitalista. Marx foi taxativo na refutação das interpretações historiográficas que viam na Antiguidade greco-romana uma economia capitalista porque já então circulava o dinheiro. O capital comercial e o capital de empréstimo aparecem nas formações sociais anteriores ao capitalismo e nelas representam as modalidades exponenciais do capital. Captam o produto excedente no processo da circulação mercantil e monetária, através das trocas desiguais e dos empréstimos usurários, porém não dominam o processo de produção.

Somente com o capital industrial, que atua no processo de criação do sobreproduto mediante a exploração de trabalhadores assalariados, é que se constitui o modo de produção capitalista. O capital industrial torna-se, então, a modalidade exponencial do capital, que submete o capital comercial e o capital de empréstimo às exigências da reprodução e expansão das relações de produção capitalistas.

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OS ECONOMISTAS

A formação do capital industrial na Europa ocidental mereceu de Marx extenso estudo historiográfico, no qual periodizou o processo de formação nas etapas da cooperação simples, da manufatura e da fábrica mecanizada. Com esta última, que surge e começa a se generalizar durante a Revolução Industrial inglesa, o modo de produção capitalista adquiriu, afinal, a base técnica que lhe é apropriada.

Que é, porém, o capital enquanto agente da produção?

O capital não é coisa — ferramenta ou máquina. Nada mais des-propositado do que imputar ao arco-e-flecha do índio tribal a natureza de capital. Tampouco basta afirmar, como Ricardo, que o capital é “trabalho acumulado”. O arco-e-flecha cristaliza trabalho acumulado e, todavia, não serve a nenhuma finalidade de valorização capitalista, ou seja, de incremento do valor inicial adiantado. A fim de que o trabalho acumulado nos bens de produção assuma a função de capital é preciso que se converta em instrumento de exploração do trabalho assalariado. Em vez de coisa, o capital é relação social, relação de exploração dos operários pelos capitalistas. As coisas — instalações, máquinas, matérias-primas etc. — constituem a encarnação física do trabalho acumulado para servir de capital, na relação entre o proprietário dessas coisas e os operários contratados para usá-las de maneira produtiva.

Por conseguinte, a teoria marxiana conduz à desmistificação do fetichismo da mercadoria e do capital. Desvenda-se o caráter alienado de um mundo em que as coisas se movem como pessoas e as pessoas são dominadas pelas coisas que elas próprias criam. Durante o processo de produção, a mercadoria ainda é matéria que o produtor domina e transforma em objeto útil. Uma vez posta à venda no processo de circulação, a situação se inverte: o objeto domina o produtor. O criador perde o controle sobre sua criação e o destino dele passa a depender do movimento das coisas, que assumem poderes enigmáticos. Enquanto as coisas são animizadas e personificadas, o produtor se coisifica.