Dessa análise ressaltam os dois pontos seguintes.

Em primeiro lugar, no referente aos salários reais, a posição de Marx evoluiu dos escritos econômicos dos anos quarenta às obras da maturidade, dos anos sessenta em diante. Nos anos quarenta, a idéia de Marx era a de que, conquanto os aumentos salariais pudessem representar conquistas imediatas para os operários, atuava, a longo prazo, a tendência à queda dos salários reais até o nível mínimo da subsistência física, ou seja, a tendência à pauperização absoluta. Influíam, então, sobre o pensamento marxiano, sem dúvida, as evidências da Revolução Industrial recém-concluída na Inglaterra e em curso nos demais países da Europa ocidental, quando, com efeito, os salários reais foram rebaixados. Diferente veio a ser, não obstante, a perspectiva dos anos sessenta. Marx passou a enfatizar o fator luta de classes e demonstrou, do ponto de vista teórico e com apoio em dados estatísticos, que a classe operária podia conquistar aumentos efetivos dos salários reais e, na verdade, os havia conquistado na Inglaterra (Ver Salário, Preço e Lucro. Tal demonstração foi tanto mais notável quanto se opu-42

MARX

nha às duas teses sobre salários então dominantes, tanto nos círculos profissionais dos economistas quanto nos meios sindicais: a tese da lei de “ferro” ou de “bronze”, defendida por Lassalle, segundo a qual os salários deviam cair, de maneira inexorável, ao nível mínimo de subsistência física dos trabalhadores; e a tese do “fundo de salários” defendida por John Stuart Mill, segundo a qual, em cada situação dada, existe um fundo pré-fixado para os salários, sendo inútil tentar alterá-lo e obter maiores salários reais por meio do aumento dos salários nominais. A história econômica desmentiu as formulações de Lassalle e de Stuart Mill e confirmou a de Marx, que chegou a intuir a elevação dos salários reais como tendência possível no capitalismo. De fato, nos países capitalistas desenvolvidos, a tendência secular tem sido a de elevação dos salários reais e, sob este ponto de vista estrito, não se pode falar em pauperização absoluta da classe operária, mas só relativa.

Contudo, a elevação dos salários reais, embora tornada predominante pela luta de classes dos operários e pelo desenvolvimento das forças produtivas, não deixa de ser muito irregular, na medida em que a dinâmica dos salários depende do movimento da acumulação do capital e não o contrário.

Em segundo lugar, Marx entendia a questão da acentuação da miséria dos trabalhadores numa perspectiva abrangente, que não se referia tão-somente aos operários regularmente empregados e aos seus salários reais, porém também devia incluir o que chamou de “tormentos do trabalho”, bem como as condições de existência da massa crescente de operários desempregados, cujos tormentos decorriam, não do trabalho na empresa capitalista, porém da falta dele. Falta temporária, para o exército industrial de reserva, e falta permanente, para a superpopulação consolidada (aquela parte dos trabalhadores já sem perspectiva de ocupação regular).

Assim, por outro lado, seja pelo processo espontâneo de desenvolvimento das forças produtivas, seja sobretudo por efeito da luta de classes, os trabalhadores conseguem incorporar ao seu padrão de vida a satisfação de novas necessidades. Já no seu tempo, Marx observava que a compra de um jornal diário fazia parte do valor da força de trabalho do operário inglês. O mesmo cabe ser dito, hoje, com relação ao aparelho de televisão, no caso do operário brasileiro. Por isso mesmo, podem vir a elevar-se os salários reais — medidos em termos de capacidade aquisitiva de valores de uso — e o padrão de vida dos operários, sem que daí resulte necessariamente o aumento do salário em termos de valor (medido em horas de trabalho necessárias à sua reprodução). Como é evidente, se a elevação da produtividade social do trabalho tiver provocado a queda do valor dos bens-salário em certa proporção, torna-se possível a elevação dos salários reais sem elevação qualquer ou sem elevação igualmente proporcional do valor do próprio salário. Mais ainda: os salários reais podem elevar-se e continuar abaixo 43

OS ECONOMISTAS

do valor da força de trabalho, uma vez que este valor se tenha acrescido por motivo dos maiores gastos na formação da força de trabalho, das exigências mais complexas do processo de produção, da criação de novas necessidades materiais e culturais.

Em qualquer caso, todo progresso no capitalismo suscita antagonismos. A elevação do salário real não raro vem acompanhada de fenômenos como o desgaste mais acentuado das energias físicas e/ou psíquicas (constate-se, a propósito, o alto índice de doenças mentais nos meios operários), maior insegurança de manutenção do emprego, crescimento do número de desempregados e dilatação dos períodos in-termitentes de desocupação, o que aumenta a carga sobre os operários momentaneamente empregados. Não se pode tampouco dissociar o estudo do padrão de vida geral da classe operária da situação peculiar daquelas camadas de trabalhadores mais sujeitos ao desemprego e aos baixos salários. Ao padrão de vida dos operários alemães ou franceses, relativamente elevado, constitui elemento de contraste o mesquinho nível de condições de existência dos trabalhadores imigrantes procedentes da Europa meridional, África e Oriente Médio. De igual maneira, seria erro grosseiro abstrair, nos Estados Unidos, o alto nível de vida dos operários brancos de todos os flagelos que se abatem sobre os operários negros e de origem latino-americana.

A tais fenômenos do cotidiano dito normal, acrescentem-se as calamidades das crises econômicas que, apesar da inventividade keynesiana, continuam a fazer parte do ciclo capitalista.

VI. Valor e Preço — O Problema da Transformação

A explicação das oscilações momentâneas dos preços de mercado pelas variações na oferta e demanda só pode satisfazer à observação dos fenômenos em sua superfície. Os economistas, que não se conten-tavam com a observação superficial, entenderam que devia existir um regulador determinante, não das oscilações dos preços, mas do nível em que elas ocorrem.

Smith e Ricardo definiram aquele regulador como o valor-trabalho.

Ao mesmo tempo, traduziram o valor-trabalho em termos de preço, sem qualquer mediação. Por conseguinte, o preço natural (Smith) ou o custo de produção (Ricardo) devia ser igual ao valor-trabalho, o que criava insolúvel impasse, conforme já foi mencionado no início da seção IV.