Se a demanda das mercadorias em questão for maior do que sua oferta, os preços de mercado tenderão a oscilar no patamar do grupo cujo preço de produção é superior à média, no qual se situará o valor de mercado, motivo por que os dois outros grupos auferirão um superlucro. Em caso contrário, sendo a oferta superior à demanda, o valor do mercado descerá ao patamar do grupo com preço de produção inferior à média, ou seja, do grupo com mais alto índice de produtividade, cujo lucro corresponderá à taxa média, enquanto os demais operarão abaixo dela, até mesmo com prejuízo. Somente no caso de coincidência aproximada entre oferta e demanda é que os preços de mercado oscilarão no patamar do preço de produção e do valor de mercado do grupo médio, o que propiciará superlucro ao grupo de preço de produção inferior, ao passo que o grupo de preço de produção superior não conseguirá chegar à taxa média de lucro.

Percebe-se, portanto, que, ao contrário da crítica de Böhm-Bawerk e de opiniões correntes, Marx não desprezou a celebrada lei da oferta e da demanda. Só que admitiu sua atuação apenas à superfície dos fenômenos econômicos e rejeitou a explicação psicologista dessa atua-

ção, posteriormente desenvolvida pela corrente marginalista, com a teoria subjetiva do valor. A oferta depende da aproximação dos preços de mercado com relação ao preço de produção. Em última instância, portanto, dado certo preço de custo, depende de que o capitalista ob-tenha a taxa média de lucro. Em caso contrário, reduzirá sua oferta ou transferirá seu capital para outro ramo. Mas a taxa média de lucro é determinada por fatores como a taxa de exploração da força de tra-46

MARX

balho e a composição orgânica do capital, que nada têm a ver com inclinações subjetivas. Do outro lado, a demanda, por mais que a in-fluenciem preferências individuais, está antes de tudo subordinada à prévia distribuição dos rendimentos, de acordo com a estrutura de classes existente. De nada adianta ao operário ter as mesmas preferências individuais do seu patrão. A demanda efetiva do primeiro só terá opções dentro dos limites do salário, enquanto o segundo disporá do lucro para consumo conspícuo e investimento.

A publicação do Livro Terceiro de O Capital se deu vinte e sete anos após a do Livro Primeiro. Já então, a teoria marxiana conquistara certa atenção nos meios acadêmicos, entre os quais se aguardava a solução, anunciada por Engels, da contradição entre valor e preço. Assim que chegou às prateleiras das livrarias, o Livro Terceiro desencadeou uma polêmica que, embora variando de aspectos, prossegue até hoje.

Conrad Schmidt e Werner Sombart afirmaram de imediato que o valor não passava de construção lógica, uma vez que só o preço de produção tem existência histórica concreta. Engels apressou-se a refutá-los, escrevendo um ensaio que se integraria no Livro Terceiro com o caráter de complemento. Se a afirmação de Engels sobre a atuação da lei do valor há vários milênios carece, como já foi dito, de fundamentação historiográfica, suas indicações acerca da formação da taxa média de lucro nos primórdios do capitalismo são pertinentes e sugestivas.

Em 1896, já quando as cinzas de Engels haviam desaparecido no Mar do Norte, foi publicado o ensaio crítico de Böhm-Bawerk. Redigido com rigor acadêmico e assinado por um dos mestres eminentes do marginalismo, o ensaio definiu o padrão universitário de contestação da teoria marxista do valor e, por conseguinte, de todo o sistema teórico construído em O Capital. Na argumentação de Böhm-Bawerk, como era de esperar, o ponto principal teria de ser a contradição entre o Livro Primeiro, no qual sempre se supõe a troca de equivalentes, e o Livro Terceiro, no qual a troca de equivalentes cede lugar à troca segundo os preços de produção. A conclusão era a de que Marx fra-cassara na pretensão de explicar os preços a partir do pressuposto do valor-trabalho.

Em 1904, Hilferding se incumbiu de rebater a crítica. A par da argumentação circunstanciada acerca da coerência entre os três livros de O Capital, o eixo da resposta de Hilferding consistiu na tese de que o sistema da Economia Política marxiana não podia ser reduzido a uma teoria sobre os preços. A questão dos preços inseria-se no contexto muito mais amplo da análise das leis do movimento da sociedade burguesa.

Embora salientasse na obra de Marx uma riqueza de elementos menosprezada por Böhm-Bawerk, nem por isso Schumpeter deixaria de declarar a teoria do valor-trabalho morta e enterrada. Aduziu, todavia, a observação original de que o valor-trabalho se aplicaria no caso singularíssimo da concorrência perfeita, quando o trabalho homo-47

OS ECONOMISTAS

gêneo fosse o fator de produção único. Referindo-se principalmente a Ricardo, do qual Marx apenas teria extraído as conseqüências lógicas, Myrdal viu no conceito de valor-trabalho uma entidade metafísica, prejudicial à própria construção teórica ricardiana. Semelhante imputação positivista ao conceito, que o coloca no reino da metafísica, repete-se em Robinson. Haveria um conflito entre o misticismo do Livro Primeiro e o senso comum do Livro Terceiro.