Precisamente durante a redação do rascunho, Marx releu a Lógica de Hegel, conforme escreveu a Engels. Não surpreende, por isso, que a própria linguagem seja, em várias passagens, moldada por termos e giros discursivos do mestre da filosofia clássica alemã. A tal ponto que, a certa altura, ficou anotado o propósito de dar nova redação ao trecho a fim de libertá-lo da forma idealista de exposição.

Enquanto a crise econômica passava sem convulsionar a ordem política européia, Marx conseguiu chegar à redação final dos dois ca-pítulos de Para a Crítica da Economia Política, publicada em 1859.

Segundo o plano então em mente, o terceiro capítulo, dedicado ao capital, seria a continuação da Crítica, um segundo volume dela. Mas o que apareceu, afinal, oito anos depois, foi algo bem diverso, resultante de substancial mudança de plano.

Em janeiro de 1866, Marx já possuía em rascunho todo o arca-bouço de teses, tal qual se tornaram conhecidas nos três livros de O

Capital, desde o capítulo inicial sobre a mercadoria até a teoria da renda da terra, passando pelas teorias da mais-valia, da acumulação do capital, do exército industrial de reserva, da circulação e reprodução do capital social total, da transformação do valor em preço de produção, da queda tendencial da taxa média de lucro, dos ciclos econômicos e da distribuição da mais-valia nas formas particulares de lucro industrial, lucro comercial, juro e renda da terra. Nestes três livros, que formariam uma obra única, seriam abordados os temas não só do capital, mas também do trabalho assalariado e da propriedade territorial, que deixaram de constituir objeto de volumes especiais. O Estado, o comércio internacional, o mercado mundial e as crises — planejados também para livros especiais — ficavam postergados. A nova obra seria intitulada O Capital e somente como subtítulo é que compareceria a repetida Crítica da Economia Política. Por último, copiosos comentários e dissertações já estavam redigidos para o também projetado livro sobre a história das doutrinas econômicas. O autor podia, por conseguinte, lançar-se à redação final de posse de completo conjunto teórico, que devia formar, nas suas palavras, um “todo artístico”.

Em 1865, a redação de O Capital foi considerada tarefa prioritária acima do comparecimento ao Primeiro Congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores, realizado em Genebra sem a presença de Marx. Este, a conselho de Engels, decidiu-se à publicação isolada do Livro Primeiro, concentrando-se na sua redação final. Em setembro de 1867, o Livro Primeiro vinha a público na Alemanha, lançado pelo editor hamburguês Meissner.

Graças, em boa parte, aos esforços publicitários de Engels, a “cons-18

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piração do silêncio”, que cercava os escritos marxianos nos meios cultos, começou a ser quebrada. Curiosamente, a primeira resenha, aliás favorável, de um professor universitário foi a de Eugen Dühring, o mesmo contra o qual Engels, dez anos depois, travaria implacável polêmica.

Elogios calorosos chegaram de Ruge, o antigo companheiro da esquerda hegeliana, e de Feuerbach, o respeitado filósofo que marcara momento tão importante na evolução do pensamento marxiano.

Embora a tradução inglesa não se concretizasse na ocasião, de-cepcionando as expectativas do autor, houve a compensação da tradução russa já em 1872, lançada com notável êxito de venda. (No seu parecer, a censura czarista declarou tratar-se de livro sem dúvida socialista, mas inacessível à maioria em virtude da forma matemática de demonstração científica, motivo por que não seria possível persegui-lo diante dos tribunais). Em seguida, veio, editada em fascículos, a tradução francesa, da qual o próprio autor fez a revisão, com o que a tradução ganhou valor de original. Em 1873, foi publicada a segunda edição alemã, que trouxe um posfácio muito importante pelos esclarecimentos de caráter metodológico. Embora a segunda fosse a última em vida do autor, a edição definitiva é considerada a quarta, de 1890, na qual Engels introduziu modificações expressamente indicadas por Marx.

Faltava, no entanto, a redação final dos Livros Segundo e Terceiro. Marx trabalhou neles até 1878, sem completar a tarefa. À ânsia insaciável de novos conhecimentos e de rigorosa atualização com os acontecimentos da vida real já não correspondia a habitual capacidade de trabalho. Marx ficava impedido de qualquer esforço durante longos períodos, debilitado por doenças crônicas agravadas.

Além disso, absorviam-no as exigências da política prática. De 1864 a 1873, empenhou-se nas articulações e campanhas da Associação Internacional dos Trabalhadores, que passou à história como a Primeira Internacional. Em 1865 pronunciou a conferência de publicação póstuma sob o título Salário, Preço e Lucro.