Escutavam-se risos agudos, choros de crianças, vozes de mulheres. Gringoire, cada vez mais amedrontado, dominado pelos três mendigos, ensurdecido pela multidão que uivava em torno dele, percebeu que havia caído em desgraça. Neste momento, ouviu-se um grito:

— Vamos levá-lo ao rei! Ao rei!

— Virgem santíssima! — murmurou Gringoire. — O rei deste lugar deve ser um sujeito terrível!

— Ao rei! Ao rei!

Enquanto era levado, todos queriam pôr as garras sobre ele, mas os três mendigos não o soltavam, arrancando-o dos outros, com urros:

— Ele é nosso!

O casaco já gasto do poeta deu seu último suspiro nesta luta. Ao fim de alguns passos, seu senso de realidade retornou e ele começou a perceber a atmosfera do lugar. Examinando as coisas com mais sangue frio, observou: o Pátio dos Milagres era apenas um cabaré, um cabaré

de bandidos.

Ao redor de uma fogueira que queimava sobre uma grande pedra redonda, havia algumas mesas arrumadas ao acaso. Sobre elas, brilhavam algumas garrafas cheias de vinho e em torno destas garrafas agrupavam-se rostos avermelhados pelo fogo e pela bebida. Risos estouravam por toda a parte, brigas aconteciam.

Sobre um tonel perto do fogo, estava sentado um mendigo. Era o rei acomodado sobre seu trono. Os três conduziram Gringoire diante dele e o soberano, do alto do barril, dirigiu-lhe a palavra.

Gringoire teve um sobressalto. A voz lembrava aquela ouvida de manhã: "Caridade, pelo amor de Deus!". O rei dos mendigos era, com efeito, Clopin Trouillefou. Coberto de insígnias reais, ele não tinha um trapo a mais nem a menos. Na mão carregava um chicote com correias de couro branco. Sobre a cabeça, portava um tipo de chapéu circular, fechado pela parte superior. Gringoire, sem saber por que, recobrou a esperança ao reconhecer nessa figura o mendigo do salão.

— Senhor... — balbuciou — Alteza... Amo... Como devo chamá-lo? — perguntou por fim.

— Alteza, majestade ou camarada... Chame-me como quiser, mas apresse-se. O que tem a dizer em sua defesa?

"Minha defesa?", pensou Gringoire, "Isto não me agrada". E continuou gaguejando:

— Fui eu quem esta manhã...

— Somos seus juizes! — interrompeu Clopin. — Você entrou em nosso reino, violou nossa cidade. Deve ser punido, a menos que seja um ladrão, mendigo ou vagabundo.