— Eu aceito — disse ela, fazendo com o lábio inferior um belo beiço de desprezo. Gringoire, neste momento, acreditou firmemente que apenas sonhava desde a manhã e que esta cena era a continuação do sonho. O laço foi desatado e o fizeram descer da escada. Logo, ele sentou-se, tamanha sua comoção. Alguém trouxe um jarro de barro, que a cigana lhe ofereceu.
— Jogue-o no chão — ela ordenou.
O jarro quebrou-se em quatro pedaços.
— Irmão — disse então o rei, pondo a mão na testa de ambos —, ela é sua mulher. Irmã, ele é seu marido. Por quatro anos. Vão.
CAPÍTULO 4
As boas almas
Dezesseis anos antes da época em que se passa esta história, no primeiro domingo após a Páscoa, uma pequena criatura foi depositada, após a missa, na igreja de Notre-Dame, no estrado de madeira próximo ao altar. Sobre este estrado era costume colocar crianças abandonadas. Quem quisesse, poderia pegá-las ali.
O pequeno ser vivo que lá repousava, naquela manhã do ano de 1467, parecia excitar, a um grau elevado, a curiosidade do grupo que se formara, composto em grande parte por mulheres velhas. Na primeira fila, havia quatro delas, que pelo capuz cinzento deixavam adivinhar sua ligação com alguma confraria devota. Corajosas, elas quebravam alegremente o voto de silêncio que tinham sido obrigadas a fazer:
— O que é aquilo, minha irmã? — dizia uma, observando a pequena criatura que resmungava e se retorcia sobre o estrado.
— Não sei nada sobre crianças — respondeu a outra —, mas deve ser pecado olhar para esta.
— É um monstro de abominação tal criatura!
— Minha irmã não vê que este pequeno monstro tem pelo menos quatro anos. Na verdade, a criança não era recém-nascida. Tratava-se de um pequeno volume que se remexia bastante, enrolado num saco, somente com a cabeça, bastante disforme, para fora. Nela se via uma floresta de cabelos ruivos, um só olho, a boca e os dentes. O olho chorava, a boca gritava e os dentes pareciam apenas querer morder. O todo se debatia no saco e causava grande surpresa na multidão, que aumentava incessantemente em torno dele. Durante alguns momentos, um jovem padre ouviu as palavras do grupo. Era uma figura severa: testa larga e olhar profundo. Ele afastou silenciosamente a aglomeração de pessoas, examinou a criança e estendeu a mão para ela.
— Eu irei adotar esta criança — disse o padre.
Depois, enrolou-a com um pedaço de sua batina e a levou. A assistência seguiu-o com olhos amedrontados.
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