Então, uma alegria amarga e arrogante floresceu na face carrancuda daquela espécie de monstro mitológico, quando ele viu sob seus pés disformes todas as cabeças de belos homens, eretos e bem feitos. Depois, a procissão estridente se colocou a caminho para fazer, de acordo com o costume, o passeio pelo interior das galerias do Palácio, antes de desfilar pelas ruas e cruzamentos. A multidão saiu à rua e neste momento outros gritos ressoaram:
— Esmeralda! Esmeralda! Ela está Iá! Ela está Iá!
— O que isto quer dizer: Esmeralda? — perguntou o único espectador da peça, Pierre Gringoire, desolado.
É preciso dizer que durante a eleição, a encenação do mistério continuou, pois os atores e Gringoire não interromperam a obra. Um brilho de esperança ressurgiu quando o autor viu o Papa dos Loucos e seu cortejo ensurdecedor saírem ruidosamente do salão, mas, infelizmente, aquela multidão era o público e, num piscar de olhos, o grande salão ficou vazio... Era o último golpe e Gringoire recebeu-o com resignação.
— Azar de quem não assistiu a uma obra sublime! — disse aos atores. — Se eu for pago, acerto as contas com vocês.
CAPÍTULO 2
Esmeralda
Quando Gringoire saiu do Palácio, as ruas já estavam às escuras e a noite o agradou. Ele ansiava caminhar para meditar à vontade sobre o fracasso da representação teatral. Além disso, não ousava voltar para casa, pois contava com o pagamento que receberia pela peça para saldar os seis meses de aluguel que devia ao proprietário do imóvel. Depois de refletir por um momento, lembrou-se de ter visto na semana anterior, na porta de um conselheiro do Parlamento, um banco de pedra. Na ocasião, ele disse para si mesmo que aquela pedra seria, oportunamente, um excelente travesseiro para um mendigo ou para um poeta. Ele agradeceu à Providência por lhe ter enviado esta boa idéia, mas, como se preparava para cruzar a Praça do Palácio, viu a procissão do Papa dos Loucos atravessar seu caminho novamente, com altos brados e um grande clarão de tochas. Esta visão reavivou as feridas de seu amor próprio e ele partiu. No amargor de sua desventura dramática, tudo que lembrasse a festa do dia o exasperava e fazia sangrar sua ferida. Gringoire quis atravessar a ponte Sant-Michel, onde crianças corriam aqui e ali com rojões. Mais adiante, a multidão admirava bandeiras sobre as quais o pintor Jehan Fourbault havia desenhado o retrato do rei, do delfim e de outros personagens importantes. "Feliz pintor Jehan Fourbault!", pensou Gringoire com um grande suspiro e deu as costas às bandeirolas. Ele encontrou uma rua diante de si e a achou tão escura e tão abandonada que acreditou que ali poderia escapar de todas as influências da festa. Caminhou por ela e chegou à
margem do rio Sena. Depois de andar ao longo do grande muro dos jardins naquela praia não calçada onde a lama atingia o tornozelo, ele chegou a um ponto de onde observou durante algum tempo uma pequena ilha.
A ilhota na sombra parecia uma massa negra e nela percebia-se o reflexo de uma pequena luz que emanava da cabana do barqueiro solitário que lá se abrigava durante a noite.
"Feliz barqueiro!", pensou Gringoire, "Você não busca a glória. De que lhe importam os reis que se casam e as duquesas da Borgonha? Você não conhece outras margaridas além das que planta em seu gramado. Já eu, poeta, sou vaiado e tremo de frio. A sola de meus sapatos é
tão transparente que poderia servir de vidro para sua lanterna. Obrigado! Sua cabana descansa minha vista e me faz esquecer de Paris!"
O poeta despertou deste devaneio por um grande fogo de artifício duplo que partiu repentinamente da cabana abençoada. Era o barqueiro que, à sua maneira, participava das festividades do dia, soltando um rojão.
O rojão arrepiou a pele de Gringoire.
1 comment