No centro da multidão, os grãos-oficiais da confraria dos Loucos carregavam nos ombros uma cadeira cheia de velas no meio da qual resplandecia sentado, com todos os aparatos, o novo Papa dos Loucos: o tocador dos sinos de Notre-Dame, Quasímodo, o Corcunda.

É difícil dar uma idéia do orgulho que Quasímodo sentia. Era a primeira alegria de amor-próprio que ele jamais havia experimentado. Conhecia o sineiro até então apenas o desdém por sua condição, a aversão por sua pessoa. Como era totalmente surdo, saboreava as aclamações da multidão que ele odiava. Que importava se seus adoradores fossem um bando de loucos, ladrões e mendigos! Era ainda uma multidão e ele, o soberano. A patética figura levava a sério todos os aplausos irônicos e todas as deferências ridículas que se misturavam a um pouco de medo, porque o Corcunda era robusto.

Portanto, foi com certa apreensão que todos viram de repente um homem lançar-se no meio da multidão e arrancar das mãos de Quasímodo o bastão de madeira dourada, símbolo de seu delirante papado.

Este homem, vestido com o hábito eclesiástico, era o sujeito calvo que assistira antes à

dança da cigana. No momento em que saiu da multidão, Gringoire, que não o havia visto até

então, reconheceu-o.

— Espere! — disse, com um grito de surpresa. — É dom Cláudio Frollo, o arcebispo. O

que ele quer desse horrível caolho? Vai acabar devorado.

Um grito de terror se elevou. Quasímodo pulou da cadeira e as mulheres viraram o rosto para não vê-lo fazer em pedaços o arcebispo.

Mas ele saltou até o padre e se pôs de joelhos. O religioso arrancou-lhe a tiara, quebrou o bastão e rasgou suas vestes de papa. Quasímodo, ajoelhado, abaixou a cabeça. Em seguida, estabeleceu-se entre eles um estranho diálogo de sinais e gestos, porque nem um nem outro falava: o padre, de pé, irritado, ameaçador, categórico; Quasímodo, curvado, humilde, suplicante. No entanto, o Corcunda poderia esmagá-lo com as mãos.

Enfim, o arcebispo, sacudindo o ombro de Quasímodo, fez um sinal para que ele se levantasse e o seguisse. A Confraria dos Loucos, passado o susto, quis defender o papa destronado, mas Quasímodo se colocou na frente do padre e encarou os atacantes com o ranger de dentes de um tigre zangado.

O padre assumiu um ar sombrio, fez um sinal para Quasímodo e se retirou em silêncio. O Corcunda caminhava diante dele, afastando a multidão à sua passagem. Quando eles acabaram de atravessar a praça, o bando de curiosos e de vadios quis acompanhá-los, porém Quasímodo se colocou na retaguarda e seguiu o mestre, urrando como uma fera selvagem. Os dois entraram em uma rua estreita e escura, onde ninguém ousaria se arriscar.

— Veja só que maravilha! — disse Gringoire. — Mas onde irei jantar?

CAPÍTULO 3

O jarro quebrado

Gringoire, pelo sim pelo não, pôs-se a seguir a cigana. Ele a viu entrar, com sua cabra, na rua de La Coutellerie e caminhava, pensativo, atrás da moça, que apertava o passo vendo os burgueses fecharem suas tabernas, o único tipo de comércio aberto naquele dia. As ruas estavam escuras e desertas.