Sua babá, Nana, num vestido de guingão engomado, virou o centro do seu minúsculo mundo. Nos dias claros eles passeavam no parque; Nana apontava um grande monstro cinzento e dizia “elefante”, então essa palavra era repetida por Benjamin e, à noite, quando era despido para dormir, ele repetia mil vezes para ela, em voz alta: “elifante, elifante, elifante”. Às vezes Nana o deixava pular na cama, o que era divertido, porque se caísse sentado bem da maneira certa o colchão fazia você saltar de pé outra vez, e se dissesse “Ah” durante um longo tempo enquanto pulava você conseguia um efeito vocal quebrado bastante agradável.
Ele adorava pegar uma grande bengala no cabideiro e sair pela casa batendo em cadeiras e mesas falando “luta, luta, luta”. Quando havia visitas, as damas idosas cacarejavam para ele, algo que o interessava, e as damas jovens tentavam beijá-lo, algo que ele tolerava com ligeiro aborrecimento. E quando terminava o longo dia, às cinco horas, ele subia para o andar de cima com Nana e ganhava na boca, com uma colher, mingau de aveia e outras comidas gostosas, moles e pastosas.
Não surgiam memórias importunas em seu sono infantil; não lhe ocorria lembrança alguma de seus arrojados dias na faculdade, dos anos resplandecentes nos quais ele alvoroçara o coração de várias jovens. Existiam somente as paredes brancas e seguras do seu berço, e Nana, e um homem que às vezes vinha vê-lo, e uma gigantesca bola cor de laranja que Nana apontava para ele na hora da cama no lusco-fusco e chamava de “sol”. Quando o sol ia embora os olhos dele já estavam sonolentos – não havia nenhum sonho, nenhum sonho que o assombrasse.
O passado – o violento ataque à frente de seus homens na tomada de San Juan Hill; os primeiros anos de casamento, quando trabalhava crepúsculo adentro na cidade movimentada pensando na jovem e amada Hildegarde; os dias mais remotos, quando ficava fumando até altas horas da noite, na velha e sombria casa dos Button na Monroe Street, com o avô –, tudo isso havia desaparecido de sua mente como um sonho insubstancial, como se nada jamais tivesse acontecido.
Ele não lembrava. Não lembrava com clareza se tinha tomado leite morno ou frio na última refeição, ou como se passavam os dias – havia somente o berço e a presença familiar de Nana. E então ele já não lembrava nada. Quando sentia fome, chorava – isso era tudo. Ao longo dos dias e das noites ele respirava, e do alto vinham suaves murmúrios e sussurros quase inaudíveis, e cheiros levemente diferenciados, e luz e escuridão.
Depois, tudo ficou escuro, e o berço branco, e os rostos indistintos que se moviam acima, e o aroma morno e doce do leite desapareceram por completo de sua mente.
[1]“Abotoadura”, por causa do nome Button, “botão”. (N.T.)
Bernice corta o cabelo
I
Aos sábados, depois do anoitecer, do primeiro tee [1] do campo de golfe se via as janelas do country club como uma extensão amarela sobre um oceano muito negro e ondulado. As ondas desse oceano, por assim dizer, eram as cabeças de muitos caddies curiosos, de alguns dos motoristas mais hábeis, da irmã surda de um golfista profissional – e normalmente havia várias ondas desgarradas e tímidas que poderiam ter entrado se assim desejassem. Era a galeria.
A varanda era dentro. Consistia num círculo de cadeiras de vime alinhadas à parede do salão de bailes do clube. Nesses bailes de sábado à noite, era um ambiente em grande medida feminino; uma grande babel de senhoras de meia-idade com olhos afiados e corações gelados atrás de binóculos de ópera e traseiros grandes. A principal função da varanda era a crítica. De vez em quando, elas demonstravam uma certa admiração relutante, mas jamais aprovação, pois é bem sabido entre senhoras de mais de 35 anos que os mais jovens buscam a dança durante o verão com as piores intenções do mundo, e se eles não são bombardeados por olhos empedernidos, casais desgarrados dançarão estranhos interlúdios bárbaros nos cantos e, o mais popular e mais perigoso: as garotas às vezes serão beijadas nas limusines estacionadas pertencentes a matronas insuspeitas.
Mas, afinal, esse círculo crítico não está suficientemente próximo do palco para ver os rostos dos atores e capturar o jogo paralelo mais sutil. Pode apenas fechar a cara e reclinar-se, fazer perguntas e formular deduções satisfatórias a partir de seu conjunto de postulados, tal como a que afirma que todo jovem com boa situação financeira leva a vida de uma perdiz sendo caçada. Jamais avalia realmente o drama do mundo instável e semicruel da adolescência. Não; camarotes, frisas, plateia e coro são representados pela miscelânea de rostos e vozes que balançam com o plangente ritmo africano da orquestra dançante de Dyer.
De Otis Ormonde, de dezesseis anos, que tem mais dois anos na Hill School, a G. Reece Stoddard, sobre cuja escrivaninha em casa está pendurado um diploma de direito de Harvard; da pequena Madeleine Hogue, cujos cabelos ainda parecem estranhos e desconfortáveis no topo da cabeça, a Bessie MacRae, que tem sido a animação das festas há tempo demais – mais de dez anos –, a miscelânea não é apenas o centro do palco, mas contém as únicas pessoas capazes de terem uma visão clara de tudo.
Com um floreio e uma batida, a música para. Os casais trocam sorrisos artificiais e fáceis, repetem alegremente “la-ri-ra-ra tum-tum”, e então o barulho de jovens vozes femininas se sobrepõe à explosão de aplausos.
Alguns rapazes surpreendidos no meio do salão quando estavam prestes a tirar alguém para dançar retornam apaticamente para as paredes, porque aquele não era como os tumultuados bailes de Natal – esses eventos de verão eram considerados apenas agradavelmente mornos e empolgantes, nos quais mesmo os casados mais jovens se exibiam em antigas valsas e foxtrotes para a tolerante diversão de seus irmãos mais moços.
Warren McIntyre, que costumava frequentar a universidade de Yale, sendo um dos pobres rapazes desacompanhados, tateou o bolso do paletó atrás de um cigarro e caminhou até a ampla varanda a meia-luz, onde casais se espalhavam pelas mesas, enchendo a noite iluminada por lanternas com palavras vagas e risos indistintos. Acenou com a cabeça aqui e ali para os menos absortos e, conforme passava por cada casal, algum fragmento meio esquecido de uma história passava por sua cabeça, porque não era uma cidade grande, e todo mundo sabia tudo sobre o passado de todo mundo. Ali, por exemplo, estavam Jim Strain e Ethel Demorest, que estavam comprometidos secretamente havia três anos. Todos sabiam que assim que Jim conseguisse manter um emprego por mais de dois meses, ela se casaria com ele. Ainda assim, como pareciam entediados os dois, e como Ethel olhava para Jim de modo cansado às vezes, como se estivesse se perguntando por que havia direcionado os ramos de afeição para alguém tão instável.
Warren tinha dezenove anos e se solidarizava muito com os amigos que não haviam ido estudar na Costa Leste. Mas, como a maioria dos garotos, ele se vangloriava imensamente sobre as garotas da sua cidade quando estava longe. Havia Genevieve Ormonde, que fazia regularmente as rondas de bailes, festas e jogos de futebol em Princeton, Yale, Williams e Cornell; havia Roberta Dillon, que, com seus olhos negros, era tão famosa entre aqueles de sua geração como Hiram Johnson ou Ty Cobb; e, é claro, havia Marjorie Harvey, que, além de ter um rosto de fada e uma língua fascinante e desconcertante, já era devidamente famosa por ter virado cinco estrelinhas seguidas no último baile de New Haven.
Warren, que havia crescido na casa em frente à de Marjorie, era havia muito “louco por ela”. Às vezes, ela parecia retribuir o sentimento com uma ligeira gratidão, mas ela o havia submetido a seu teste infalível e dito seriamente que não o amava.
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