O Diário de Anne Frank

O Diário de Anne Frank

De 12 de Junho de 1942 a 1 de Agosto de 1944

 

A edição original desta obra foi publicada em

 

Amesterdão, pela editorial - Contact - com o

 

Título - Het Achterhuis. - Achteruis - significa atrás ou por detrás, a "huis", casa. Nas velhas casas de Amesterdão as dependências que dão para o

 

jardim ou para o pátio podem separar-se das

 

partes voltadas para a rua de modo a ficarem independentes, embora pertençam ao mesmo prédio.

 

Por não haver expressão apropriada em português,

 

resolvemos chamar a esta parte da casa

 

"o anexo", apesar de não ser propriamente um anexo.

 

Utilizámos para a tradução do livro a edição

 

alemã e o original holandês.

 

PREFÁCIO

 

ANNE Frank pertencia a uma família judaica de Frankfort que, em 1933, fugindo às perseguições do regime hitleriano, se refugiou na Holanda, onde supunha encontrar a paz e a segurança. Mas, logo depois da invasão da Holanda pelos alemães, as perseguições aos judeus continuaram ali com tal violência que os Frank resolveram - mergulhar -, designação que então se dava ao desaparecimento voluntário de pessoas perseguidas-ou por razões políticas ou por discriminações raciais-e que passavam a ter uma existência ilegal ou clandestina. Durante dois anos, que abrangem o período de guerra de 1942 a 1944,

 

não podem sair à rua e vivem sob a constante ameaça de serem descobertos pela polícia.

 

Anne, rapariga em pleno período de desenvoLvimento físico, esse período delicado e importante na vida de qualquer adolescente, mas especialmente decisivo quando se tem uma sensibilidade e uma inteligência como a dela, escrevia com regularidade um diário, em forma de cartas, a uma amiga imaginária. Este diário tornou-se não só um dos mais comoventes depoimentos contra a guerra, contra a injustiça e a crueldade dos homens como, também, um dos mais puros documentos psicológicos que todos, e sobretudo os que contactam com gente nova, deviam ler.

 

Anne não escreveu o seu diário a pensar na publicidade, nem porque fosse incitada a fazê-lo, mas única e simplesmente porque tinha de o escrever-para si própria, para - aliviar - o coração, como ela diz várias vezes, por essa forte necessidade íntima que caracteriza o artista e a que ela não se poderia furtar, nem que quisesse.

 

"Quando escrevo sinto um alívio, a minha dor desaparece, a coragem volta... Ao escrever sei esclarecer todos os meus pensamentos, os meus ideais, as minhas fantasias".

 

,Não se trata, portanto-e isto é fundamental-, de uma dessas produções de menino prodígio, lançado e explorado pela família comercialmente, mas sim de uma autêntica obra de arte a que um crítico suíço chamou - uma confissão clássica da puberdade de hoje, que ultrapassa todos os limites do circunstancial.

 

Como é que foi possível escrever-se uma obra destas entre os treze e os quinze anos de idade? Tão extraordinário caso tem a sua explicação: o isolamento, os sacrifícios diários, as angústias, o medo e, principalmente, a morte, a pairar sobre esta criança de uma inteligência e de um espírito de observação invulgares, fizeram

 

com que ela amadurecesse prematuramente e fosse assim, pouco a pouco, penetrando em regiões que, em circunstâncias normais, só viria a explorar muito mais tarde. Ela própria sente isto e explica-o: "Vim para o anexo quando tinha treze anos e, por isso, fui obrigada a reflectir mais cedo sobre o Mundo e a fazer a descoberta de mim mesma como de um ser humano que deseja ser independente..No entanto é preciso notar: Anne não perde a frescura infantil nem esses gostos próprios do adolescente, como por exemplo coleccionar fotografias de artistas de cinema ou fantasiar-se

 

com as roupas dos adultos. É que Anne não é um monstro, Anne é apenas uma adolescente a quem quiseram roubar o direito de o ser.

 

.Nem a criança nem o adolescente sabem, em regra, compreender-se e analisar-se. É o adulto que, com a distância dos anos, a experiência da vida, a cultura e a serenidade indispensáveis, contempla e interpreta estes períodos passados da sua vida. Por isso Anne Frank há-de ser um dos casos à parte na literatura universal, com um significado denso e único.

 

Anne Frank vivia torturas que marcam qualquer indivíduo de qualquer idade mas muito especialmente um indivíduo em formação. Forçada a viver como um pássaro na gaiola Sinto-me como um pássaro a quem cortaram as asas e que bate, na escuridão, contra as grades da sua gaiola estreita -, afina os sentidos, concentra-os sobre o pequeno espaÇo em que a sua vida e a dos companheiros de destino se move, procura não só desabafar a sua revolta de adolescente, de judia expulsa da comunidade dos homens, vítima de uma guerra impiedosa, mas, também, encontrar as explicações e as interpretaÇões de tudo isto.

 

Ao leitor atento não pode escapar o crescendo dos apontamentos de Anne, tanto no que respeita ao seu espírito analítico como à própria força emocional. Se as primeiras páginas, escritas ainda

 

no período de liberdade, são puramente infantis e correspondem à sua idade real, as últimas, que precedem a interrupção definitiva do diário, são de uma tal maturidade que nos fazem estremecer pelo seu profundo poder de introspecção e compreensão.

 

- Vejo-me em todos os meus actos como se se tratasse de uma pessoa estranha. Enfrento esta Anne com absoluta

 

imparcialidade, sem pretender desculpá-la e observo o que ela faz de mal e de bem. Esta autocontempLação nunca me larga, e não posso pronunciar uma palavra sem pensar logo em seguida:

 

"devia ter dito isto de outra maneira", ou: "foi bem dito...".

 

Os outros só nos podem dar conselhos ou indicar-nos o caminho a seguir. Mas a formação definitiva do carácter está nas próprias mãos de cada indivíduo.

 

Reencontramo-nos em Anne! Sentimos a verdade, nua e crua, em cada uma das suas palavras.