Defronte, numa casa grande, havia um baile, e dançava-se. Ela

olhava, ele olhou também. Pelas janelas viam passar os pares, caden-

ciados, as senhoras com as suas sedas e rendas, os cavalheiros finos

e elegantes, alguns condecorados. De quando em quando, uma faísca

de diamantes, rápida, fugitiva, no giro da dança. Pares que conver-

savam, dragonas que reluziam, bustos de homens inclinados, gestos

de leque, tudo isso em pedaços, através das janelas, que não podiam

mostrar todo o salão, mas adivinhava-se o resto. Ele ao menos, co-

nhecia tudo, e dizia tudo à filha do escrivão. O demônio das gran-

dezas, que parecia dormir, entrou a fazer as suas arlequinadas no

coração do nosso homem, e ei-lo que tenta seduzir também o cora-

ção da outra.

-- Conheço uma pessoa que estaria ali muito bem, murmurou o

Rangel.

E Joaninha, com ingenuidade:

-- Era o senhor.

Rangel sorriu lisonjeado, e não achou que dizer. Olhou para os

lacaios e cocheiros, de libré, na rua, conversando em grupos ou recli-

nados no tejadilho dos carros. Começou a designar carros: este é do

Olinda, aquele é do Maranguape; mas aí vem outro, rodando, do lado

da Rua da Lapa, e entra na Rua das Mangueiras. Parou defronte:

salta o lacaio, abre a portinhola, tira o chapéu e perfila-se. Sai de

dentro uma calva, uma cabeça, um homem, duas comendas, depois

uma senhora ricamente vestida; entram no saguão, e sobem a esca-

daria, forrada de tapete e ornada embaixo com dous grandes vasos.

-- Joaninha, Sr. Rangel...

Maldito jogo de prendas! Justamente quando ele formulava, na

cabeça, uma insinuação a propósito do casal que subia, e ia assim

passar naturalmente à entrega da carta... Rangel obedeceu, e sen-

tou-se defronte da moça. D. Adelaide, que dirigia o jogo de prendas,

recolhia os nomes; cada pessoa devia ser uma flor. Está claro que

o tio Rufino, sempre gaiato, escolheu para si a flor da abóbora.

Quanto ao Rangel, querendo fugir ao trivial, comparou mentalmente

as flores, e quando a dona da casa lhe perguntou pela dele, respondeu

com doçura e pausa:

-- Maravilha, minha senhora.

-- O pior é não estar cá o Calisto! suspirou o escrivão.

-- Ele disse mesmo que vinha?

-- Disse; ainda ontem foi ao cartório, de propósito, avisar-me de

que viria tarde, mas que contasse com ele; tinha de ir a uma brinca-

deira na Rua da Carioca...

-- Licença para dous! bradou urna voz no corredor.

-- Ora graças! está aí o homem!

João Viegas foi abrir a porta; era o Calisto, acompanhado de um

rapaz estranho, que ele apresentou a todos em geral : -- "Queirós,

empregado na Santa Casa; não é meu parente, apesar de se parecer

muito comigo; quem vê um, vê outro..." Toda a gente riu; era uma

pilhéria do Calisto, feio como o diabo, -- ao passo que o Queirós

era um bonito rapaz de vinte e seis a vinte e sete anos, cabelo negro,

olhos negros e singularmente esbelto. As moças retraíram-se um

pouco; D. Felismina abriu todas as velas.

-- Estávamos jogando prendas, os senhores podem entrar também,

disse a dona da casa. Joga, Sr.