Ouçam o Queirós. Não imaginam como ele é saudoso na flauta!

Queirós tocou a Casta Diva. Que cousa ridícula! dizia consigo o

Rangel; -- uma música que até os moleques assobiam na rua. Olha-

va para ele, de revés, para considerar se aquilo era posição de homem

sério; e concluía que a flauta era um instrumento grotesco. Olhou

também para Joaninha, e viu que, como todas as outras pessoas, tinha

a atenção no Queirós, embebida, namorada dos sons da música, e

estremeceu, sem saber porquê. Os demais semblantes mostravam a

mesma expressão dela, e, contudo, sentiu alguma cousa que lhe com-

plicou a aversão ao intruso. Quando a flauta acabou, Joaninha aplau-

diu menos que os outros, e Rangel entrou em dúvida se era o habitual

acanhamento, se alguma especial comoção... Urgia entregar-lhe a

carta.

Chegou a ceia. Toda a gente entrou confusamente na sala, e feliz-

mente para o Rangel, coube-lhe ficar defronte de Joaninha, cujos

olhos estavam mais belos que nunca e tão derramados, que não pa-

reciam os do costume. Rangel saboreou-os caladamente, e recons-

truiu todo o seu sonho que o diabo do Queirós abalara com um

piparote. Foi assim que tornou a ver-se, ao lado dela, na casa que ia

alugar, berço de noivos, que ele enfeitou com os louros da imaginação.

Chegou a tirar um prêmio na loteria e a empregá-lo todo em sedas e

jóias para a mulher, a linda Joaninha, -- Joaninha Rangel, -- D. Joa-

ninha Rangel, -- D. Joana Viegas Rangel, -- ou D. Joana Cândida

Viegas Rangel... Não podia tirar o Cândida...

-- Vamos, uma saúde, seu diplomático... faça uma saúde da-

quelas...

Rangel acordou; a mesa inteira repetia a lembrança do tio Ru-

fino; a própria Joaninha pedia-lhe uma saúde, como a do ano pas-

sado. Rangel respondeu que ia obedecer; era só acabar aquela asa de

galinha. Movimento, cochichos de louvor; D. Adelaide, dizendo-lhe

uma moça que nunca ouvira falar o Rangel:

-- Não? perguntou com pasmo. Não imagina; fala muito bem,

muito explicado, palavras escolhidas, e uns bonitos modos...

Comendo, ia ele dando rebate a algumas reminiscências, franga-

lhos de idéias, que lhe serviam para o arranjo das frases e metáforas.

Acabou e pôs-se de pé. Tinha o ar satisfeito e cheio de si. Afinal,

vinham bater-lhe à porta. Cessara a farandulagem das anedotas, das

pilhérias sem alma, e vinham ter com ele para ouvir alguma cousa

correta e grave. Olhou em derredor, viu todos os olhos levantados,

esperando.