Era preciso plantar videiras americanas, resistentes à praga. E, por conseguinte, novas dívidas. Depois, o conselho de vender o Sperone, para livrar-se dos agiotas, que o assediavam. E, assim, primeiro foi-se o Sperone; depois, Due Riviere; depois, San Rocchino. Haviam sobrado as casas e o sítio da Stia, com o moinho. Minha mãe aguardava o dia em que ele viesse dizer-lhe que a nascente havia secado.

Nós fomos, é verdade, vagabundos, e gastávamos à larga; mas é também verdade que um ladrão mais ladrão que Batta Malagna jamais nascerá na face da Terra. É o mínimo que se possa dizer acerca desse sujeito, em consideração pelo parentesco que fui obrigado a estabelecer com ele.

Teve o cuidado de não nos fazer nunca faltar nada, enquanto minha mãe viveu. Mas aquela abastança, aquela liberdade até a leviandade, que nos deixava gozar, servia-lhe para ocultar o abismo que, mais tarde, depois que minha mãe morreu, tragou apenas a mim; já que meu irmão teve a ventura de fazer, a tempo, um casamento vantajoso.

O meu casamento, ao contrário...

Será necessário que eu fale dele, não é, padre Eligio, do meu casamento?

Trepado lá em cima, em sua escada de acendedor de lampiões, padre Eligio Pellegrinotto respondia-me:

Como não? Claro. De maneira limpa...

Que limpa, coisa nenhuma! O senhor sabe muito bem que...

Padre Eligio ri e, com ele, toda a igrejinha dessagrada. Em seguida me aconselha:

No seu lugar, sr. Pascal, primeiro eu leria algum conto de Boccaccio ou de Bandello. Por causa do tom, por causa do tom...

Teimava com o tom, padre Eligio Pellegrinotto. Pois sim! Eu escrevo ao correr da pena.

Coragem, portanto; em frente!


4

Aconteceu Assim

Certo dia, enquanto caçava, parei, estranhamente impressionado, na frente de uma meda de palha, baixa e bojuda, com uma panelinha no topo da vara.

Eu conheço você — dizia-lhe —, conheço você...

De repente, exclamei:

Mas é Batta Malagna!

Apanhei um forcado, que se encontrava ali, no chão, e o enfiei em sua gorda barriga, com tamanha volúpia que por pouco a panelinha não caiu do topo da vara. E lá estava Batta Malagna, quando, suado e esbaforido, trazia o chapéu de lado.

Escorregava todo: escorregavam-lhe, na comprida cara feia, do lado de cá e do lado de lá, as sobrancelhas e os olhos; escorregava-lhe o nariz sobre o bigode ralo e sobre o cavanhaque; escorregavam-lhe as espáduas da juntura do pescoço; escorregava-lhe o ventre, imenso e flácido, até quase o chão, pois, devido à sua proeminência sobre as pernas curtas e grossas, o alfaiate, para vestir essas pernas, era obrigado a cortar as calças com a maior folga possível; de maneira que, de longe, parecia que vestisse, em lugar de calças, uma capa muito comprida e que a barriga lhe chegasse ao chão.

Ora, como podia Malagna, com uma cara e um corpo desses, ser tão ladrão, não sei. Também os ladrões, imagino, precisam de uma certa apresentação, que ele não me parecia ter. Andava devagar, com aquela barriga pendente, sempre com as mãos atrás das costas; e que esforço fazia, para emitir a voz mole, lamentosa! Gostaria de saber como ele justificava com sua própria consciência os furtos que não cessava de praticar em nosso prejuízo. Não tendo nenhuma necessidade de fazê-lo, uma razão qualquer, uma desculpa a si mesmo, afinal, não podia deixar de dá-la. Talvez, digo eu, roubasse para, de algum modo, distrair-se, coitado.

Devia, com efeito, no íntimo, estar terrivelmente aflito por uma dessas esposas que sabem fazer-se respeitar.

Havia cometido o erro de escolher esposa de categoria superior à dele, que era muito baixa. Ora, essa mulher, se estivesse casada com um homem de condição igual à sua própria, talvez não fosse tão ranzinza como era com ele, a quem, naturalmente, se sentia no dever de mostrar, à menor oportunidade, que ela era bem-nascida e que na sua casa se agia assim e assado. E eis Malagna, obediente, a agir assim e assado, como ela dizia, a fim de parecer, ele também, uma pessoa distinta. Mas quanto isso lhe custava! Suava, suava sempre.

Além do mais, a sra. Guendalina, pouco depois do casamento, caiu doente de uma moléstia da qual não pôde mais sarar, pois, para sarar, teria de fazer um sacrifício superior às suas forças: privar-se, nada menos, de certos pasteizinhos com trufas, dos quais gostava tanto, e de outras guloseimas do gênero, bem como, e, aliás, sobretudo, do vinho. Não que o bebesse em grande quantidade: pudera!, era uma pessoa bem-nascida; mas não deveria beber uma única gota, essa é a verdade.

Eu e Berto, jovenzinhos, às vezes éramos convidados para almoçar na casa de Malagna. Era divertido ouvi-lo pregar, com a devida consideração, um sermão à esposa sobre a continência, enquanto ele comia, devorava com tamanha volúpia os pratos mais suculentos.

Não admito — dizia — que, pelo prazer momentâneo que a garganta sente à passagem de um bom bocado, como este, por exemplo (e engolia o bocado), a pessoa deva sentir-se mal o dia todo. Que graça tem isso? Estou certo de que, depois, eu ficaria profundamente deprimido. Rosina! (chamava a criada) Dê-me mais um pouco disso aí. Boa, esta maionese!

Maialese! [de Maiale, em italiano = porco] — bradava então a mulher, furiosa. — Chega assim! Deus deveria é fazer você experimentar o que significa estar doente do estômago. Aí você aprenderia a ter consideração por sua mulher.

Como, Guendalina? Então eu não tenho?! — exclamava Malagna, servindo-se de vinho.

A esposa, como única resposta, levantava-se da cadeira, tirava-lhe o copo das mãos e ia despejar o vinho pela janela.

Mas por quê? — gemia ele, espantado.

E a mulher:

Porque para mim é veneno! Se você, por acaso, me vir servir-me mesmo só de um dedo dele, tire o copo das minhas mãos e vá despejá-lo pela janela, como eu fiz, entendeu?

Malagna olhava, chateado, sorrindo um pouco para Berto, um pouco para mim, um pouco para a janela, um pouco para o copo; depois dizia:

Oh, meu Deus! Você não é mais nenhuma criança! Eu, usar violência? Não, querida. Você, sozinha, raciocinando, é que deveria conter-se...

E de que jeito? — gritava a mulher. — Com a tentação diante dos olhos? Vendo você, que o bebe em tão grande quantidade e o saboreia e o olha contra a luz, para me fazer pirraça? Sabe o que lhe digo? Se fosse outro marido, você, para não me fazer sofrer...

Pois bem, Malagna chegou até esse ponto: não bebeu mais vinho, para dar à esposa um exemplo de continência e não a fazer sofrer.

Depois roubava...