claro! Afinal, ele precisava fazer qualquer coisa.
Mas, aí, aconteceu que, pouco tempo depois, ficou sabendo que a sra. Guendalina bebia o vinho, sim, às escondidas. Como se bastasse, para que não lhe fizesse mal, que o marido não soubesse disso. E então ele também, Malagna, recomeçou a beber, mas fora de casa, para não magoar a esposa.
É verdade que, mesmo assim, continuou a roubar. Mas sei que ele desejava da mulher, de todo o coração, uma certa compensação das atribulações sem-fim que ela lhe causava; desejava, a saber, que ela um belo dia se decidisse a lhe dar um filho. Aí está! O furto, então, teria uma finalidade, uma desculpa. O que é que não se faz pelo bem dos filhos?
A mulher, porém, definhava cada dia mais, e Malagna não ousava sequer lhe expressar esse vivíssimo desejo. Talvez ela fosse estéril por natureza. Cumpria ter todos os cuidados com essa sua doença. Porque se, depois, morresse de parto? Deus nos livre! Além disso, havia o risco de que não levasse a termo a gestação.
Assim, ele se conformava.
Era sincero? Não o demonstrou suficientemente por ocasião do falecimento da sra. Guendalina. Chorou-a, oh! Chorou-a muito e sempre a lembrou com uma devoção tão reverente que, no lugar dela, não quis colocar nenhuma outra senhora fina, nada disso!; e bem que o poderia ter feito, rico como já se havia tomado. Mas pegou a filha de um feitor rural, sadia, viçosa, robusta e alegre; e, isso, apenas para que não houvesse dúvida de que teria dela a desejada prole. Se demonstrou pressa excessiva, bem... é preciso levar em conta, também, que ele não era mais tão jovem e tempo para perder é que não tinha.
Eu conhecia bastante bem Oliva, filha de Pietro Salvoni, nosso feitor em Due Riviere, desde menina.
Por sua causa, quantas esperanças não fiz minha mãe conceber: que eu estava criando juízo e tomando gosto pelos campos. Não cabia mais em si de contente, coitada! Mas, um dia, a terrível tia Scolastica abriu-lhe os olhos:
— Você não vê, tola, que ele vai sempre a Due Riviere?
— Sim, para a colheita das azeitonas.
— De uma azeitona, de uma azeitona, de uma azeitona só, sua imbecil!
Mamãe, então, deu-me um pito e tanto: que eu me guardasse de cometer o pecado mortal de induzir em tentação e perder para sempre uma pobre menina etc. etc.
Mas não havia perigo. Oliva era honesta, de uma honestidade inabalável, porque arraigada na consciência do mal que faria, se cedesse. E era justamente essa consciência que lhe tirava todos os acanhamentos dos pudores fingidos e a tomava ousada e descontraída.
Como ria! Duas cerejas, seus lábios. E que dentes!
Porém, desses lábios, nem um beijo; dos dentes, sim, alguma dentada, como castigo, quando eu a agarrava pelos braços e não queria largá-la se, antes, não conseguisse pespegar-lhe um beijo, ao menos nos cabelos.
Nada mais.
Agora, tão linda, jovem e fresca, esposa de Batta Malagna... Pois é. Quem tem a coragem de virar as costas para certos golpes da sorte? No entanto Oliva sabia perfeitamente de que forma Malagna havia enriquecido! Falava-me tão mal dele, um dia; depois, justamente por causa dessa riqueza, casou-se com ele.
Passa um ano, desde o dia do matrimônio; passam dois; e nada de filhos.
Malagna, que havia muito estava persuadido de que não tivera filhos da primeira mulher apenas por causa da esterilidade ou incessante doença dela, não concebia, agora, nem de longe, a suspeita de que pudesse depender dele. E começou a mostrar-se aborrecido com Oliva.
— Nada?
— Nada.
Esperou mais um ano, o terceiro: inutilmente. Então, entrou a censurá-la abertamente. E, por fim, depois de outro ano, já tendo perdido para sempre as esperanças, no auge da exasperação, passou francamente a maltratá-la, lançando-lhe no rosto, aos gritos, que, com a sua aparência saudável, ela o havia enganado, miseravelmente enganado; que apenas para que ela lhe desse um filho a erguera até aquele lugar, ocupado anteriormente por uma senhora distinta, uma verdadeira fidalga, a cuja memória, não tivesse sido por isso, ele jamais teria feito semelhante ofensa.
A pobre Oliva não respondia, não sabia o que dizer. Vinha com freqüência à nossa casa, para desabafar com minha mãe, que a animava, com palavras bondosas, a ter ainda esperanças, porque, afinal, era jovem, tão jovem:
— Vinte anos?
— Vinte e dois...
Pois, então. Já se dera mais de um caso de alguém ter filhos mesmo dez anos depois, mesmo quinze anos depois do casamento. Quinze? Mas... e ele? Ele já era velho; e, se...
Em Oliva nascera, desde o primeiro ano, a suspeita de que afinal, entre ele e ela, como dizer?, a falta pudesse ser mais dele que sua, embora ele teimasse em dizer que não. Mas podia-se provar isso? Oliva, ao casar-se, jurara a si mesma que se conservaria honesta, e não queria, nem mesmo para reconquistar a paz, faltar ao juramento.
Como é que sei essas coisas? Ora, como sei.
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