Esse desejo de acrescentar uma prestigiosa pátina de passado a um presente menos obviamente distinguível pode vir de várias frentes. Gatsby não construiu seu arremedo de mansão francesa. Ela fora planejada dez anos antes por um cervejeiro que se dedicou a infligir um passado insólito à novíssima paisagem americana, levando sua obsessão ao extremo: “[ele] aparentemente se oferecera para pagar cinco anos de impostos de todos os casebres vizinhos caso os proprietários cobrissem seus telhados de palha”. Não aceitaram, e o cervejeiro morreu. Uma verdadeira loucura; à sua maneira, Gatsby também procura “repetir o passado” — “Como, não dá para repetir o passado? É claro que dá!”. As coisas não são muito diferentes na sofisticada East Egg. Os Buchanan vivem numa “mansão colonial georgiana, toda branca e vermelha”, com um “jardim italiano”. Tom possui o pior tipo de mentalidade “colonizadora” — todos existem só para satisfazer suas necessidades e apetites —, mas não é significativamente mais ligado, ou arraigado, à história antiga da América do que Gatsby. Sua casa pertencia originalmente a “Demaine, o cara do petróleo”, e pode-se notar a habilidade e a discrição com que Fitzgerald se faz entender. Um cervejeiro e um homem de petróleo: o dinheiro que permitiu erigir essas grandiosas máscaras arquitetônicas, inspiradas no passado europeu em fachadas que ao mesmo tempo encobrem e enobrecem as origens de sua riqueza, é derivado do álcool e do petróleo, duas das matérias-primas que serviram para abastecer a sociedade americana, movendo tanto a economia quanto as pessoas de formas distintas e perigosas: é só pensar no quanto desse romance é dedicado à bebida e ao automóvel, e a dirigir bêbado. Mais tarde, no livro, Tom se vangloria de haver transformado uma garagem em estábulo, enquanto é comum ouvir falar de gente que transformou um estábulo em garagem. É uma transformação sugestiva: quando se tem dinheiro o suficiente — obtido, digamos, com o petróleo —, pode-se revesti-lo de palha à vontade, com sua falsificação pastoral preferida. É claro que há muitas e muitas garagens americanas fadadas a permanecer garagens — inúteis, imutáveis, irredimíveis. Pergunte a Wilson no vale das cinzas.
Há mais logro decorativo no livro — por exemplo, a mobília coberta de tapeçaria com “cenas de moças flanando pelos jardins de Versalhes” do apartamento de Myrtle —, mas já foi dito o bastante para provar que Fitzgerald nos dá vislumbres de um país com um passado minguado e uma sociedade em que as pessoas, quando podem bancá-lo, alcançam o ecletismo através de todos os tipos de fachadas importadas (exóticas, históricas) para encobrir não só a verdade nua de como acumularam ou acumulam suas riquezas (o que não é um hábito exclusivo — os ingleses vitorianos também faziam isso), mas também para disfarçar seu caráter “excepcionalmente novo”. Há uma bela passagem em que Nick, recém-chegado a West Egg, está se sentindo solitário e deslocado quando um estranho lhe pergunta o caminho para o centro. “Eu lhe dei as indicações. E, conforme ia caminhando, não me senti mais solitário. Eu era um guia, um pioneiro, um autêntico colonizador.” Esse é o tom de Nick em seu momento mais simpático, uma espécie de exagero adequado que consegue ser ao mesmo tempo divertido e modesto. Contudo, da forma mais despretensiosa, ele toca num assunto de grande importância. Sua instantânea transformação de recém-chegado solitário em “autêntico colonizador” é uma versão cômica de algo que interessou os americanos de diversas formas desde os primeiros povoamentos. Já que todos os habitantes da América eram, de certa forma, deslocados e recém-chegados (tendo exterminado por completo os índios), eles sempre tiveram o desejo de “originar-se” na América; então empreenderam uma busca, digamos assim, por modos mais ou menos instantâneos de enraizamento. Em seu confronto agonístico, Tom ridiculariza Gatsby ao chamá-lo de “Sr. Ninguém de Lugar Nenhum”. Àquela altura, ele só estava falando bobagens, como Nick observa, mas a frase traz uma pergunta implícita: pode alguém neste livro ser chamado de sr. ou sra. Alguém de Algum Lugar? Ora, são todos nômades inquietos do Meio-Oeste, apenas com mais ou menos dinheiro: a inquietude é o tom predominante do livro, e tal palavra e suas variantes aparecem o tempo todo. “Não existe mais lá ali”, disse Gertrude Stein sobre Oakland: neste romance, pode-se muito bem estender o comentário ao país inteiro. “Não queria que você pensasse que eu era um ninguém”, afirma Gatsby em sua primeira conversa verdadeira com Nick, na qual explica por que decidiu contar-lhe sua história de vida até então. E se um desses ninguéns, vindo de lugar nenhum e indo a lugar nenhum, é capaz de se tornar Alguém, então, pelas graças do texto de Nick, essa pessoa é Gatsby — o grande Gatsby.
Mas como e por que “grande”? E o quanto de Gatsby pode ser considerado “logro”? Será que Nick admite, em alguma medida, ser “enganosamente enganado”? Há uma permuta bastante reveladora entre os dois homens no início do primeiro diálogo que travam, quando Gatsby conta sua história.
— Por Deus, o que eu vou lhe contar é a mais pura verdade. — Sua mão direita ergueu-se repentinamente para pedir que o castigo divino o atestasse.
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