Isso tudo é bastante exato. Nick teve Gatsby, perdeu-o, e depois o retomou de outra forma. De um modo geral, às vezes você vê Gatsby, às vezes não. Em mais de uma ocasião, Nick procura Gatsby e percebe que ele “não estava mais lá”, sem contar, é claro, que ele só aparece no capítulo 3 (com um quarto do livro já começado) e morre antes do final. De certa forma, Tom de fato domina o livro; ele domina a tudo e a todos. Nick bebe em sua companhia antes de conhecer Gatsby e aperta sua mão após a morte deste. Como categoria, os Buchanan irão durar para sempre, sobrevivendo a tudo. Gatsby, apesar de todas as suas licações nas necócios, é mais frágil e vulnerável. E, de um modo epistemológico geral, ele é e continua impreciso (inclusive para nós, leitores) quanto à sua identidade e ocupação. Como vimos, Fitzgerald contribuiu de propósito para essa imprecisão ao cortar diálogos explícitos demais, e não foi uma questão de, digamos, reter informações em benefício da mistificação; essa estranha indicação de insubstancialidade ontológica é crucial para o personagem. Ao ser insultado por Tom, Gatsby assumiu uma expressão, segundo Nick, “claramente desconhecida e vagamente reconhecível”. Note-se a sugestiva perfeição dos aparentes oximoros: a capacidade de reconhecer é vaga, mas a de desconhecer é clara. Gatsby se aproxima e some, fica nítido e embaçado. Agora você o vê, é o que você pensa; agora não, é quase certo. Essa “imprecisão” sustentada de modo admirável é muito mais do que “boa”: é parte essencial da mágica do livro. Pois, mesmo após o duro escrutínio da figura de Gatsby — que poderia reduzi-lo a um caipira sentimental, um criminoso com um sonho piegas, um rude alpinista social determinado a adquirir uma peça refinada de mulher —, ele acaba de alguma forma nos cativando.

Às vezes as pessoas, ao vê-lo, o comparam a uma revista ou anúncio. “Minha incredulidade agora se transformara em fascínio; era como folhear atabalhoadamente uma dúzia de revistas”, escreve Nick, reagindo à história de vida de Gatsby. “Você me lembra um homem de anúncio […]. Sabe, esses homens de anúncios…” Daisy não consegue terminar a frase. Presumidamente, ele parece com um homem retratado em anúncios. (Diz-se que Jordan Baker daria uma “boa ilustração”: o efeito está por toda parte.) Na terminologia atual, poderíamos dizer que ele é, aos olhos dos outros, um completo “simulacro”. A propaganda estava em franca ascensão na América dos anos 1920. Gatsby é, em boa parte, um fruto de sua cultura, abastecendo-se e cercando-se de todo tipo de objetos modernos e exuberantes, de camisas a carros. O “bilhete formal” assinado em “caligrafia majestática” com que ele se anuncia a Nick pela primeira vez é o prenúncio inicial de uma cuidadosa construção de si mesmo (observe como Nick é rápido em captar sinais de realeza nessa república democrática). De certa forma, sua mansão ostensiva e suas festas dispendiosas são um display de propaganda projetado para impressionar Daisy. Sua certeza de que é possível repetir o passado e sua confiança de que irá “refazer tudo como era antes” devem muito à cultura da propaganda. (No livro que mencionei, Richard Godden descreve como, em 1922, Henry Ford recriou a casa onde nasceu exatamente como era sessenta anos antes. “No âmbito do mercado, o tempo é reversível”, Godden comenta.) Na verdade, seu sonho tropeça na insistência inviável de que o tempo pode não apenas ser revertido, mas também apagado. Ele perdeu Daisy (e o sonho) no momento em que tentou fazê-la declarar que nunca amara Tom, “e tudo se apagará para sempre”. Podem-se apagar pichações e espuma de barbear, mas não o tempo; o tempo é a única coisa que Gatsby não pode “refazer”.