Agora que se foi, está acabado. Não posso chorar. Não consigo me importar. Isso nunca mais voltará.
É a prosa de alguém muito jovem, e um lamento assim tão pungente não só pela perda, mas também pela perda do sentido da perda, tem um teor quase pós-adolescente. Citei o trecho inteiro para sugerir o quanto Fitzgerald teve que extirpar ou, digamos, absorver antes de atingir o comando perfeitamente tonal de O grande Gatsby. Com base nesse trecho e em inúmeros escritos iniciais de Fitzgerald, é possível dizer que o autor não se distanciou o suficiente da turbulência emocional de sua própria biografia. Ele precisava inserir alguma coisa ou alguém entre sua vida e os escritos para evitar cair num beco sem saída sentimental. O trecho também revela, de forma incipiente, uma percepção que acredito ser absolutamente central na obra de Fitzgerald; ou seja, que o Sonho Americano — a despeito de como o interpretemos — não é um indicador de aspiração, mas uma questão de privação. Porém, como Gatsby mostra, há outro agravante. Dexter cede um tanto avidamente à ideia de que seu futuro é uma questão de passado. Gatsby também reconhece isso, mas não fica por aí, pois insiste que o passado pode ser transformado em uma questão de futuro por alguém que já o fizera, incluindo ele. Adeus, corneteiro de uniforme!
“Não sei se lhe interessa saber que um conto meu chamado ‘Absolution’ [Absolvição] […] era para ser um retrato da juventude de Gatsby, mas acabei desistindo por querer preservar a ideia de mistério” (carta a John Jamieson, 15 de abril de 1934). O quanto da grandeza de O grande Gatsby depende daquilo que Fitzgerald suprime é uma questão à qual retornarei adiante. Aqui iremos analisar o que ele inicialmente resolvera descrever como episódio crucial da infância de Gatsby.
Um garoto de onze anos chamado Rudolph Miller — o jovem Gatsby — se rebela contra o pai “incompetente” e é forçado a se confessar, porém acaba mentindo. Ele conta sua história ao padre Schwartz, a quem admite ser culpado de não acreditar ser filho dos pais (uma fantasia que o próprio Fitzgerald possuía — “de que eu não era filho dos meus pais, mas de um rei que governava o mundo inteiro” — exatamente como em “Romances familiares”, de Freud). Ele troca a tristeza de ser Rudolph Miller pela suntuosidade de imaginar-se Blatchford Sarmenington. “Ao tornar-se Blatchford Sarmenington, uma suave nobreza emanou dele. Blatchford Sarmenington vivia grandes e arrebatadores triunfos.” Mas ele guarda a mentira do confessionário para si mesmo; de fato, tal qual a fantasia secreta, a mentira secreta vem a constituir sua personalidade essencial.
Cruzando uma linha invisível, ele se tornara consciente de seu isolamento — consciente de que a solidão se aplicava não só aos momentos em que era Blatchford Sarmenington, mas a toda a sua vida interior. Até então, esse fenômeno, composto de ambições “loucas” e pequenos medos e vergonhas, havia sido uma reserva pessoal, ignorada pelo trono de sua alma oficial. Agora ele percebia inconscientemente que suas reservas pessoais eram ele mesmo — sendo todo o resto uma fachada de enfeites e uma bandeira de convenções. A pressão do ambiente o conduzira ao mundo secreto e solitário da adolescência.
Com efeito, o garoto está rejeitando o pai biológico e rebelando-se contra o pai espiritual, como se afirmasse: o mais importante é que sou essencialmente minhas “reservas pessoais” — minhas recusas, meus repúdios, minhas fantasias e, sim, minhas mentiras culpadas. Se você quiser a mim, não chame por Rudolph Miller. Chame por Blatchford Sarmenington. Chame por Jay Gatsby.
Contudo, o aspecto mais interessante da história é o estado curiosamente perturbado do padre Schwartz. (Não me preocupo aqui em relacionar, de forma especulativa, sua figura à gente como o padre Sigourney Webster Fay, que sem dúvida teve grande influência sobre o católico Fitzgerald. André le Vot fez isso muito bem na biografia F. Scott Fitzgerald, Penguin, 1983.) No início do conto, o padre fica nitidamente perturbado pela “loucura cálida das quatro horas” — uma “terrível dissonância” composta do farfalhar de garotas suecas, luzes amarelas, aromas doces e os trigais de Dakota, que são “terríveis de olhar”. Após ouvir o relato do garoto, o padre irrompe num monólogo apreensivo, que é confuso, se não insano.
Quando muita gente se reúne nos melhores lugares, as coisas reluzem […]. O segredo é pôr um monte de gente no centro do mundo, onde quer que ele esteja. Então, […] as coisas reluzem […].
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