Minha teoria é que, quando um bocado de gente se reúne nos melhores lugares, as coisas reluzem o tempo todo […] Você já foi a um parque de diversões? […] É tipo uma feira, mas muito mais reluzente. Vá a um parque à noite e fique um pouco afastado dele, num lugar escuro — sob árvores frondosas. Você verá uma enorme roda de luz girando no ar, e uma fila comprida de barcos cruzando a água. Haverá uma banda tocando em algum lugar, além do cheiro de amendoim — e tudo cintila. Mas você não vai se lembrar de nada parecido, sabe. Tudo ficará pairando no ar como um balão colorido — como uma lanterna amarela num poste […]. Mas não se aproxime […]. Porque, se o fizer, sentirá apenas o calor, o suor e a vida.
Essas são, de fato, as últimas palavras do padre, e podemos interpretá-las como a expressão de um delirante remorso por toda a sexualidade e glamour, o calor e as luzes que, na condição de padre celibatário, ele teve que reprimir e afastar. Mas, enquanto a trêmula expressão de avidez e excitação é estimulada pelo pensamento, pelos sentidos e pela apreensão de algum tipo de esplendor cintilante — sexual e imaterial, incandescente e transcendental — gerado pela reunião dos belos e abençoados (ou amaldiçoados), glamorosos e vistosos, num “centro” mítico e inatingível — um parque de diversões celestial —, suas palavras vêm atestar um desejo confuso e inarticulado — mas qual? Um desejo pela luz que não está na terra nem no mar? — isso se localiza no centro da obra de Fitzgerald, a fim de ser concedido ou discutido, conforme o caso. É uma espécie de neoplatonismo instintivo que brota entre os trigais infindáveis, as garotas intocáveis e o brilho ocasional de um Meio-Oeste em geral triste e deplorável.
Mas há uma diferença crucial entre a ânsia de Dexter Green em possuir as coisas deslumbrantes e o conselho do padre Schwartz de se afastar da luz ofuscante, e está precisamente na compreensão deste último de que pode ser perigoso aproximar-se demais, arruinando a visão dos prazeres terrenos (e celestiais?). Rudolph Sarmenington Gatsby é parte Green e parte Schwartz (e André le Vot mostrou o quanto Fitzgerald era cuidadoso em sua atribuição de cores — falaremos disso mais tarde). Gatsby acha que pode tomar — ou retomar — a garota deslumbrante. De fato, ele tenta transformar sua casa num centro reluzente e glamoroso só para atraí-la: “A sua casa está parecendo a Feira Mundial”, diz Nick, vendo aquela mansão “iluminada do porão ao teto”. Sabemos que, na infância, Fitzgerald ficou maravilhado com o esplendor da Exposição Pan-Americana de 1901, em Buffalo, onde havia uma “deusa da luz cujo brilho podia ser visto de lugares tão distantes quanto as cataratas do Niágara” (Le Vot, p. 27), e Gatsby também utiliza a magia da eletricidade (ele é, afinal de contas, um leitor dedicado de Benjamin Franklin) para sinalizar o que espera e acredita ser mais que uma descarga elétrica. Porém, apesar de sua dedicada ânsia por retomada e reconstituição, ele acaba desfrutando (e até experimentando) melhor seus sonhos e desejos à distância. Gatsby não fica à vontade diante da luz que ele mesmo acendeu em sua casa e costuma ser encontrado, como aconselhou o bom padre, “um pouco afastado dela, num lugar escuro”. Quando ele de fato se aproxima e encontra “o calor, o suor e a vida” — sobretudo na pessoa de Tom Buchanan, na crueza presunçosa de seu discurso, na insolência altiva de sua hipocrisia, na brutalidade de seu “corpo cruel” —, Gatsby é de fato destruído. A parte Green se foi: tudo é Schwar(t)z.
Fitzgerald concebeu O grande Gatsby no verão de 1922, mas só foi escrevê-lo no verão de 1924, quando morava na Riviera (ele revisou de forma crucial as provas em Roma, nos meses de janeiro e fevereiro do ano seguinte). É exatamente quando Nick Carraway escreve o seu livro sobre o verão com Gatsby de dois anos antes — mas então ele já está de volta ao Meio-Oeste. Fitzgerald introduziu um narrador que se encontra a meio caminho entre o próprio autor e suas indulgências oniscientes. O livro de Fitzgerald é o livro de Nick, mas Nick não é Fitzgerald, a despeito da quantidade de fragmentos biográficos que julguemos discernir. Nick é um personagem de habilidades literárias assumidamente limitadas (havia escrito apenas “uma série de editoriais muito solenes e óbvios para o Yale News”) e, quando Nick tenta descrever Gatsby, nós também lemos Nick.
Entre os escritores que admirava, Fitzgerald tinha inúmeros precedentes para a introdução do narrador. Ao discutir como um escritor pode extrair o máximo de importância de seu material, Henry James enfatiza o valor de escolher um tipo específico de narrador: “Tiramos o melhor de um assunto conforme a importância que ele tem para certos indivíduos”. Ele aponta a necessidade de se escolher um “meio reflexivo e enriquecedor” e acrescenta:
Queremos que seja claro, por Deus, mas também queremos que seja denso, e obtemos a densidade a partir da consciência humana que entretém e registra, que amplifica e interpreta […]. Os prodígios, quando manifestados diretamente, têm um efeito arriscado; por outro lado, conservam toda a sua essência quando transparecem em uma outra história — a história indispensável da relação normal de um indivíduo com alguma coisa.
Gatsby é uma espécie de “prodígio” do estilo e da pretensão — prodigiosamente bandido e romântico — e Nick é, ou assim insiste, nada além de “normal”, embora acrescente: “uma das poucas pessoas honestas deste mundo”. Gatsby é sem dúvida engrandecido — engrandecido e ofuscado — por meio da história de Nick, e Nick decerto o “amplifica e interpreta” — pode-se julgar que de forma excessiva.
Joseph Conrad fez uma de suas inovações mais importantes na arte da ficção ao introduzir e desenvolver o narrador-marinheiro Marlow, sobretudo ao tentar construir uma narrativa capaz de entender lorde Jim. Seria Jim um covarde ou um idealista? Covarde e idealista? Qual a importância e as implicações para “nós” — marinheiros, britânicos, confiáveis e decentes homens ocidentais — de suas aspirações e fracassos, sonhos e deserções? Marlow investiu muito em Jim, bem como em suas tentativas de recuperação e evolução narrativa. Sem dúvida, Jim era “um de nós”. E contudo… Mutatis mutandis, muito disso é análogo à relação entre o narrador-corretor Nick e o enigmático Gatsby.
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