No hipnotizante crepúsculo da metrópole, eu sentia muitas vezes a solidão à minha espreita e dos outros — jovens balconistas pobres que perambulavam diante das vitrines, esperando a hora de entrar num restaurante para um jantar solitário — jovens balconistas à luz do anoitecer, desperdiçando os momentos mais intensos da vida e da noite.
Em oposição a isso — o que é sem dúvida “deplorável” —, não surpreende que Nick procure avidamente por sinais de “grandiosidade” (uma de suas palavras favoritas) na vida e no estilo de Jay Gatsby. Ele mesmo insinua ser tudo o que Gatsby não é. “Trinta anos — a promessa de uma década de solidão, uma lista cada vez menor de amigos solteiros, uma bagagem cada vez menor de entusiasmo e os cabelos também cada vez mais ralos” — menos de tudo. Em contrapartida, e talvez como forma de compensar tanto enfraquecimento e escassez, Gatsby personifica possibilidades mais vigorosas e fecundas, menos emocionalmente débeis e retraídas.
Nick é um espectador em busca de um astro. Ele vê Gatsby em termos gestuais: “Se a personalidade é uma série contínua de gestos bem-sucedidos, então havia algo de grandioso naquele homem, certa sensibilidade exaltada às promessas da vida”. Nada de salsichas de porco e purê de batatas para Gatsby, ao menos não na versão de Nick. Por outro lado, o ponto de vista preferido do narrador, contemplativo e não gestual, é sempre o marginal. Em sua primeira festa em Nova York, o instinto de Nick é “cair fora dali”, mas ele é continuamente “acossado” e “puxado de volta”. “Ainda assim, encimando a cidade, nossa fileira de janelas acesas deve ter contribuído com sua cota de segredos humanos à imaginação do observador casual naquelas ruas cada vez mais escuras, e eu podia enxergá-lo olhando para cima com verdadeiro assombro. Eu estava ao mesmo tempo dentro e fora, encantado e repelido pela variedade inesgotável da vida.” Propositalmente ou não, ele está citando Whitman quase que de forma literal (“tanto dentro quanto fora do jogo, assistindo-o e sendo admirado por ele”), e o “assombro” — o instinto, a necessidade e a capacidade de maravilhar-se — é tão importante para Nick quanto para outros tantos escritores americanos. Assombrar-se com alguma coisa envolve e implica distância e sinaliza uma aversão ou incapacidade de participar — uma rejeição (se não um temor) de todo o calor, o suor e a vida, e tem-se a impressão de que Nick, apesar de seus arrependimentos, de certa forma prefere o papel de “observador casual naquelas ruas cada vez mais escuras”. Uma diferença com relação a Whitman é sua predisposição quase idêntica à “repulsa”. Quando Nick não está encantado, é provável que esteja começando a sentir repugnância. A despeito da aparente racionalidade e da propalada imparcialidade de seu tom, o relato de Nick sobre Gatsby é gerado pela tendência de se mover entre esses dois extremos. Trata-se de uma oscilação bastante americana.
De início, Nick se apresenta, de modo bastante explícito, como alguém que possui um “senso fundamental de decência” acima da média, aqui expresso no desejo de “que o mundo estivesse uniforme e num estado constante de vigilância moral”. Será que ele se sentira atraído por Jordan Baker porque, com seu porte ereto e corpo masculinizado (“esguia e de seios pequenos”), ela parecia um “jovem cadete”? Seja como for, é evidente que ele tem uma natureza algo autoritária e um instinto avançado de disciplina, higiene e ordem, como ele prontamente admite (é parte de seu charme como narrador). Às vezes ele se mostra quase puritano, um rematado “careta”. Ele prefere que exista certa uniformidade na vida. De fato, num momento particularmente embaraçoso na casa dos Buchanan, ele admite: “a vontade que eu tinha era de chamar a polícia”. Quando decide terminar com Jordan Baker, ele explica seus motivos em termos domésticos: “Mas eu queria deixar as coisas em ordem e não apenas confiar que esse mar prestativo e indiferente levaria para longe a bagunça que deixei para trás”. (Podemos observar, contudo, que ele não se importou quando um elemento desconhecido levou para longe um de seus envolvimentos anteriores.) A aversão manifesta de Nick pela “recusa” e sua leve compulsão por limpeza se revelam em inúmeras ocasiões, das quais citarei apenas duas.
Na primeira reunião em Nova York, conforme as coisas se dissolviam numa incoerência cada vez maior, embora aquela fosse a primeira das duas únicas vezes em que Nick ficou bêbado na vida, seus instintos exigentes não deram trégua: “O sr. McKee cochilava numa cadeira com as mãos juntas sobre o colo, como a fotografia de um homem em ação. Sacando meu lenço, limpei de sua bochecha a mancha de espuma seca que me incomodara a tarde toda”. Pouco depois, Tom Buchanan quebra o nariz de Myrtle e a festa desanda em caos absoluto. Mas é assim que são os Buchanan. “Eles eram descuidados […]. Esmagavam coisas e criaturas e depois se protegiam atrás da riqueza ou de sua vasta falta de consideração, ou o que quer que os mantivesse juntos, e deixavam os outros limparem a bagunça que eles haviam feito.” Com brutalidade, Tom faz o sangue jorrar; Nick enxuga meticulosamente uma mancha de espuma de barbear, um minúsculo fragmento daquela coisa-fora-do-lugar a que chamamos sujeira. Além de possuir uma aptidão educadamente controlada para a função de polícia moral da sociedade, Nick também tem propensão para zelador.
O grande exemplo visual disso é o último gesto que ele faz antes de deixar o Leste para sempre. Ele volta à mansão de Gatsby para admirar mais uma vez “aquele gigantesco e incoerente fracasso de residência”: “Sobre os degraus brancos, uma palavra obscena rabiscada por algum moleque com um caco de tijolo se destacava à luz do luar, e eu a apaguei, esfregando os sapatos com força na pedra”. Isso, sem dúvida, é parte de seu “senso fundamental de decência”, e podemos prontamente partilhar e aprovar sua aversão instintiva ao vandalismo e à profanação.
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