Diogo inclinou-se em sinal de obediência.
– Partireis brevemente, apenas chegar a expedição do Rio de Janeiro; e ireis pedir a Diogo Botelho que vos dê serviço nas descobertas. Sois português, e deveis guardar fidelidade ao vosso rei legítimo; mas combatereis como fidalgo e cristão em prol da religião, conquistando ao gentio esta terra que um dia voltará ao domínio de Portugal livre.
– Cumprirei as vossas ordens, meu pai.
– Daqui até então, continuou o velho fidalgo, não arredareis pé desta casa sem minha ordem. Ide, sr. cavalheiro; lembrai-vos que tenho sessenta anos, e que vossa mãe e vossa irmã breve carecerão de um braço valente para defendê-las e de um conselho avisado para protegê-las.
O moço sentiu as lágrimas borbulharem nos olhos, mas não balbuciou uma palavra; curvou-se e beijou respeitosamente a mão de seu pai.
D. Antônio de Mariz, depois de olhá-lo um momento com uma severidade sob a qual transpareciam os assomos do amor de pai, voltou pelo mesmo caminho e ia continuar o seu passeio quando sua mulher apareceu na soleira da porta.
D. Lauriana era uma senhora de cinquenta e cinco anos; magra, mas forte e conservada como seu marido; tinha ainda os cabelos pretos matizados por alguns fios brancos que escondia o seu alto penteado, coroado por um desses antigos pentes tão largos que cingiam toda a cabeça e fingiam uma espécie de diadema.
Seu vestido de lapim cor de fumo, de cintura comprida, um pouco curto na frente, tinha uma cauda respeitável, que ela arrastava com um certo donaire de fidalga, resto de sua beleza, há muito perdida. Longas arrecadas de ouro com pingentes de esmeralda, que lhe roçavam quase os ombros, e um colar com uma cruz de ouro ao pescoço, eram todos os seus ornatos.
Quanto ao moral, já dissemos que era uma mistura de fidalguia e devoção; o espírito de nobreza, que em D. Antônio de Mariz era um realce, nela tornava-se uma ridícula exageração.
No ermo em que se achava, em lugar de procurar desvanecer um pouco a distinção social que podia haver entre ela e os homens no meio dos quais vivia, ao contrário, aproveitava o fato de ser a única dama fidalga daquele lugar para esmagar os outros com a sua superioridade e reinar do alto de sua cadeira de espaldar, que para ela era quase um trono.
Em religião o mesmo sucedia; e um dos maiores desgostos que ela sentia na sua existência era não se ver cercada de todo esse aparato do culto, que D. Antônio, como os homens de uma fé robusta e de um espírito direito, tinha sabido substituir perfeitamente.
Apesar desta diferença de caracteres, D. Antônio de Mariz, ou por concessões ou por serenidade, vivia em perfeita harmonia com sua mulher; procurava satisfazê-la em tudo, e, quando não era possível, exprimia a sua vontade de um certo modo, que a dama conhecia imediatamente que era escusado insistir.
Só em um ponto a sua firmeza tinha sido baldada; e fora em vencer a repugnância que D. Lauriana tinha por sua sobrinha; mas, como o velho fidalgo sentia talvez doer-lhe a consciência nesse objeto, deixou sua mulher livre de proceder como lhe parecesse, e respeitou os seus sentimentos.
– Faláveis a D. Diogo com um ar tão severo! disse D. Lauriana descendo os degraus da porta e vindo ao encontro de seu marido.
– Dava-lhe uma ordem, e um castigo que ele mereceu, respondeu o fidalgo.
– Tratais esse filho sempre com excessivo rigor, Sr. D. Antônio!
– E vós com extrema benevolência, D. Lauriana. Assim, como não quero que o vosso amor o perca, vejo-me obrigado a privar-vos da sua companhia.
– Jesus! Que dizeis, Sr. D. Antônio?
– D. Diogo partirá nestes dias para a cidade do Salvador, onde vai viver como fidalgo, servindo à causa da religião e não perdendo o tempo em extravagâncias.
– Vós não fareis isto, Sr. Mariz, exclamou sua mulher; desterrar vosso filho da casa paterna!
– Quem vos fala em desterro, senhora? Quereis que D. Diogo passe toda a sua vida agarrado ao vosso avental e à vossa roca?
– Mas, senhor; eu sou mãe, e não posso viver assim longe de meu filho, cheia de inquietações pela sua sorte.
– Entretanto, assim há de ser, porque assim o decidi.
– Sois cruel, senhor.
– Sou justo apenas.
Foi nesta ocasião que se ouviu o tropel de animais, e que Isabel distinguiu a banda de cavaleiros que se aproximava da casa.
– Oh!, exclamou D. Antônio de Mariz; eis Álvaro de Sá.
O moço que já conhecemos, o italiano e seus companheiros apearam-se, subiram a ladeira que conduzia à esplanada, e aproximaram-se do cavalheiro e de sua mulher, a quem cortejaram respeitosamente.
O velho fidalgo estendeu a mão a Álvaro de Sá e respondeu à saudação dos outros com uma certa amabilidade. Quanto a D. Lauriana, a inclinação da cabeça foi tão imperceptível, que seus olhos nem se abaixaram sobre o rosto dos aventureiros.
Depois de trocada essa saudação, o fidalgo fez um sinal a Álvaro, e os dois se separaram e foram conversar a um canto do terreiro, sentados sobre dois grossos troncos de árvore lavrados toscamente, que serviam de bancos.
D. Antônio desejava saber notícias do Rio de Janeiro e de Portugal, onde se haviam perdido todas as esperanças de uma restauração, que só teve lugar quarenta anos depois com a aclamação do duque de Bragança.
O resto dos aventureiros ganhou o outro lado da esplanada e foi misturar-se com os seus companheiros que saíam ao seu encontro.
Aí foram recebidos por um tiroteio de perguntas, de risadas e ditos chistosos, em que tomaram parte; depois, uns, curiosos de novidades, outros, ávidos de contar o que viram, começaram a falar ao mesmo tempo, de modo que ninguém se entendia.
Nesse instante, as duas moças apareceram na porta: Isabel parou trêmula e confusa; Cecília, descendo ligeiramente os degraus, correu para sua mãe.
Enquanto ela atravessava o espaço que a separava de D. Lauriana, Álvaro tendo obtido a permissão do fidalgo adiantou-se e com o chapéu na mão foi inclinar-se corando diante da moça.
– Eis-vos de volta, Sr. Álvaro! disse Cecília com um certo repente, para disfarçar o enleio que também sentia; depressa tornastes!
– Menos do que desejava, respondeu o moço balbuciando; quando o pensamento fica, o corpo tem pressa de voltar.
Cecília corou e fugiu para junto de sua mãe.
Durante que esta breve cena se passava no meio da esplanada, três olhares bem diferentes a acompanhavam, e partindo de pontos diversos cruzavam-se sobre essas duas cabeças que brilhavam de beleza e mocidade.
D. Antônio de Mariz, sentado a alguma distância, considerava aquele lindo par, e um sorriso íntimo de felicidade expandia o seu rosto venerável.
Ao longe, Loredano, um pouco retirado dos grupos dos seus companheiros, cravava nos moços um olhar ardente, duro, incisivo; enquanto as narinas dilatadas aspiravam o ar com a delícia da fera que fareja a vítima.
Isabel, a pobre menina, fitava sobre Álvaro os seus grandes olhos negros, cheios de amargura e de tristeza; sua alma parecia coar-se naquele raio luminoso e ir curvar-se aos pés do moço.
Nenhuma das testemunhas mudas desta cena percebeu o que se passava além do ponto para onde convergiam os seus olhares; à exceção do italiano que viu o sorriso de D. Antônio de Mariz e o compreendeu.
Enquanto isto sucedia, D.
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