Estava fungando. Disse a ele que ouvira comentar que ele tinha interesse em coisas científicas. Ele disse que sim e fungou de novo. Fungava o tempo todo; era evidente que tinha pegado um bom resfriado. Não admira, todo cheio de roupas daquele jeito! Fui explicando a ele a ideia a respeito da enfermeira, e o tempo todo mantive meus olhos abertos. Garrafas e produtos químicos por toda parte. Balanças, tubos de ensaio enfileirados, e um cheiro de enotera.5 Muito bem, será que ele topava fazer um donativo?... Ele disse que ia pensar. Perguntei de repente se ele estava pesquisando algo. Disse que sim. Era uma pesquisa demorada?... Ele pareceu contrariado. “Muito demorada”, respondeu, parecendo uma garrafa que estoura e manda a rolha para o alto. Eu disse “oh”, e aí ele explodiu. Estava fervendo, e minha pergunta fez a chaleira transbordar. Ele tinha recebido uma receita para preparar, uma receita muito importante. Só não disse para quê. Perguntei se era receita médica. “Dane-se!”, ele disse. “O que está querendo descobrir?!” Pedi desculpas. Ele fungou e tossiu, cheio de pose. E recomeçou a falar. Contou que tinha estado trabalhando nessa receita, com cinco ingredientes, e que colocou o papel em cima da mesinha e virou a cabeça. Então veio um sopro de vento da janela. O papel voou. A lareira era aberta, disse ele, e o golpe de vento levou a folha de papel direto para o fogo. Num instante ela estava queimando, as fagulhas subindo pela chaminé. Quando viu o que estava acontecendo, ele correu para salvar o papel. E então, quando estava me contando isto, para ilustrar a história, estendeu o braço, assim.
— E então?
— Não tinha mão: era apenas uma manga vazia. Meu Deus! Pensei que aquele, sim, era um aleijão sério.
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