Hall apareceu em seguida, um pouco ofegante, mas ainda assim desafiadora. Hall estava na rua. Ela já tinha se preparado para aquele momento, e quando apareceu trazia consigo a conta do hóspede, numa pequena bandeja.
— Está querendo sua conta, senhor?
— Por que não trouxeram meu café da manhã?! Por que não servem minhas refeições e não atendem quando toco a campainha? Acham que posso passar sem comida?
— E por que a conta ainda não foi paga? — retrucou a sra. Hall. — Isso é o que eu quero saber.
— Já lhe falei há três dias que estou esperando uma remessa...
— E eu lhe respondi há dois dias que não posso esperar por remessas. Não pode reclamar se seu café atrasa um pouco quando minha conta está esperando há cinco dias, não é mesmo?
O estranho praguejou em voz baixa, mas audível.
— Êpa, assim não! — protestou alguém no balcão.
— E eu ficaria muito grata, senhor, se guardasse seus xingamentos para si mesmo.
O estranho parecia mais do que nunca um escafandrista zangado. A impressão geral no balcão era de que a sra. Hall estava se saindo muito melhor do que ele, e suas palavras seguintes não deixaram dúvidas.
— Olhe aqui, minha boa senhora...
— Não venha me chamar de “boa senhora” — replicou ela.
— Já expliquei que minha remessa de dinheiro ainda não chegou.
— Bela remessa.
— Mesmo assim, acho que aqui no bolso...
— O senhor me disse há três dias que não tinha mais do que um soberano de prata.
— Bem, descobri que tinha um pouco mais.
— Ha-ha... — disse alguém lá do balcão.
— Imagino onde o terá achado — disse a sra. Hall.
Isso pareceu aborrecer bastante o desconhecido, que bateu o pé no chão com força.
— O que quer dizer com isso? — exclamou.
— Quero dizer que imagino onde o terá achado — disse ela. — E antes que me pague outra conta ou tome outro café, ou seja o que for, o senhor vai ter de me explicar uma ou duas coisas que eu não estou entendendo, e que ninguém mais está entendendo, e que todo mundo está muito impaciente para entender. Quero saber o que andou fazendo com a minha cadeira lá em cima, e como pode ser que seu quarto estava vazio e o senhor entrou nele de novo. Quem se hospeda na minha casa entra pela porta, isto é uma regra da casa, e o senhor não fez isso e o que eu quero é que me diga como foi que entrou. E quero saber também se...
De repente o estranho ergueu as mãos enluvadas, crispadas de raiva, bateu com o pé no chão e gritou “Pare!” com tal violência que a mulher calou-se no mesmo instante.
— Vocês não são capazes de entender quem eu sou — disse ele — ou o que eu sou. Por Deus do céu, agora vou lhes mostrar. — Então ele pôs a mão diante do rosto e deu um puxão violento. O centro do rosto foi transformado numa cavidade negra. — Aqui está — disse ele, e dando um passo à frente entregou à sra. Hall algo que ela, com os olhos pregados na metamorfose daquele rosto, aceitou automaticamente. Então, ao baixar os olhos e ver o que era, largou-o ao chão e recuou. O nariz — sim, era o nariz do estranho, rosado e reluzente — rolou pelo piso.
Então ele removeu os óculos, e um arquejo de susto ecoou no balcão. Ele tirou também o chapéu e puxou com violência as barbas e as bandagens que cobriam seu rosto, as quais resistiram por um instante, enquanto um arrepio de terror e expectativa percorria as testemunhas. “Ai, meu Deus”, murmurou alguém, e então elas cederam ao puxão.
Foi muito pior do que eles imaginavam. A sra. Hall, que ainda estava imobilizada pelo terror, soltou um grito estridente ao avistar aquilo e fugiu aos tropeções na direção da porta. Todos saltaram do lugar onde estavam. Tinham preparado o espírito para ver cicatrizes, desfiguramento, horrores tangíveis, mas nada daquilo! As ataduras e as barbas falsas foram jogadas através do saguão na direção do balcão, fazendo todos pularem para evitar o contato com elas. Pessoas fugiram aos trambolhões rumo às escadas. Porque o homem que estava ali de pé, gritando alguma explicação incoerente, era uma criatura sólida de corpo inteiro até o colarinho, e então — nada, nada visível!
A gente da rua ouviu gritos e exclamações, e olhando para o Coach and Horses viu sua porta despejando um jorro de seres humanos. Eles viram quando a sra.
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