Os três discutiram noite adentro, e o dia seguinte foi um redemoinho de preparativos. Armitage sabia que estava se envolvendo com poderes terríveis, porém não via outro modo de cancelar o envolvimento ainda mais profundo e maligno a que outros haviam se prestado antes dele.

* * *

Na manhã de sexta-feira, Armitage, Rice e Morgan foram de carro até Dunwich e chegaram ao vilarejo por volta da uma hora da tarde. Fazia um dia agradável, porém até mesmo nos lugares ensolarados uma espécie de temor e portento silencioso dava a impressão de pairar sobre as estranhas colinas abobadadas e os sombrios e profundos vales da região maldita. De vez em quando, no topo de alguma montanha, divisava-se um esquálido círculo de pedras com o céu ao fundo. Pelo ar de espanto no armazém de secos e molhados de Osborn, os três perceberam que algo horrendo tinha acontecido, e logo ficaram sabendo da aniquilação da casa e da família de Elmer Frye. Passaram a tarde inteira andando por Dunwich, questionando os nativos sobre tudo o que havia ocorrido e vendo com os próprios olhos, e com aguilhoadas de horror cada vez mais intenso, as ruínas desoladas da residência dos Frye com vestígios de muco pegajoso, as marcas blasfemas no pátio, o gado ferido de Seth Bishop e os enormes trechos de vegetação destruída em vários locais. A trilha que subia e descia de Sentinel Hill despertou em Armitage um pressentimento quase cataclísmico, e o bibliotecário olhou por um longo tempo em direção ao sinistro altar de pedras no topo da colina.

Por fim, ao descobrir que um grupo de policiais havia chegado de Aylesbury naquela manhã para averiguar os relatos telefônicos relativos à tragédia dos Frye, os visitantes resolveram procurar os oficiais para trocar informações sobre o ocorrido. A execução da tarefa, no entanto, foi muito mais difícil do que o planejado, uma vez que os policiais não estavam em parte alguma. Os cinco haviam chegado em um carro, mas naquele instante o carro estava vazio próximo às ruínas no pátio de Frye. Os nativos, que haviam todos conversado com a polícia, de início ficaram tão perplexos quanto Armitage e seus companheiros. Então o velho Sam Hutchins pensou em alguma coisa e empalideceu, cutucando Fred Farr e apontando para o úmido e profundo vazio que se abria logo à frente.

“Meu Deus”, disse, “eu falei pr’eles não descere o vale, e nunca achei que ninguém fosse fazê isso co’as marca e aquele chero e os bacurau gritano lá embaixo na escuridão do meio-dia…”

Um calafrio varou os nativos e os visitantes, e todos pareceram apurar o ouvido em uma espécie de audição instintiva e inconsciente. Armitage, depois de presenciar o horror e a destruição monstruosa que havia causado, estremeceu ao pensar na responsabilidade que pesava em seus ombros. Logo a noite cairia, e foi então que a blasfêmia montanhosa arrastou-se pela trilha quimérica. Negotium perambulans in tenebris…1 O velho bibliotecário ensaiou a fórmula que havia memorizado e agarrou-se ao papel que trazia a alternativa que não havia memorizado. Conferiu se a lanterna elétrica estava em ordem. Rice, que estava ao lado, retirou da valise uma lata de aerosol do mesmo tipo usado no combate aos insetos enquanto Morgan desempacotou o rifle para caça de grande porte em que tanto confiava, mesmo depois de ouvir os companheiros dizerem que nenhuma arma material surtiria efeito.

Armitage, depois de ler o abominável diário, sabia muito bem que tipo de manifestação esperar; mas não quis aumentar o pavor dos habitantes de Dunwich fornecendo pistas ou insinuações. Esperava que o horror pudesse ser vencido sem que revelasse ao mundo a monstruosidade de que havia escapado. As sombras se adensaram e os nativos começaram a se dispersar, ansiosos por trancarem-se em casa apesar da evidência de que as fechaduras e os ferrolhos humanos seriam inúteis diante de uma força capaz de entortar árvores e esmagar casas quando bem entendesse. Balançaram a cabeça ao ouvir o plano dos visitantes, que pretendiam montar guarda nas ruínas da casa dos Frye, perto do vale; e ao saírem tinham pouca esperança de tornar a vê-los.

Ouviram-se rumores sob as colinas naquela noite, e os bacuraus cantaram de maneira ameaçadora. De vez em quando um vento soprava de Cold Spring Glen e trazia um toque de fedor inefável à atmosfera opressiva da noite; um fedor que os três observadores já haviam sentido antes, quando presenciaram a morte de uma coisa que por quinze anos e meio havia se passado por um ser humano. No entanto, o terror esperado não apareceu. O que quer que estivesse à espreita no vale estava ganhando tempo, e Armitage disse aos colegas que seria suicídio tentar uma ofensiva no escuro.

A manhã chegou pálida, e os sons noturnos cessaram. Era um dia cinza e desalentado, com pancadas de chuva ocasionais; e nuvens cada vez mais escuras pareciam acumular-se para além das colinas a noroeste. Os homens de Arkham não sabiam o que fazer. Depois de procurar abrigo contra a chuva sob uma das construções externas remanescentes na propriedade dos Frye, debateram se seria mais conveniente esperar ou tomar a iniciativa da agressão e descer ao vale em busca da monstruosa vítima inominada. A chuva amainou, e os estrondos longínquos do trovão soaram em horizontes distantes. As nuvens relampejaram e logo um raio bífido fulgurou, como se estivesse descendo rumo ao próprio vale maldito. O céu ficou muito escuro, e os observadores torceram para que a tempestade fosse intensa e curta para que o tempo clareasse.

Ainda estava pavorosamente escuro quando, pouco mais de uma hora depois, uma babel de vozes soou na estrada. O instante seguinte revelou um grupo de mais de uma dúzia de homens assustados, correndo e gritando, e até mesmo chorando em um surto de histeria. Alguém que vinha à frente começou a balbuciar, e os homens de Arkham tiveram um violento sobressalto quando as palavras assumiram uma forma coerente.

“Meu Deus, meu Deus”, tossiu a voz.