Juro por Deus, eu não sei o que ele qué nem o que tá tentano fazê.”
Naquele Dia das Bruxas os barulhos da colina soaram mais altos do que nunca, e o fogo ardeu no alto da Sentinel Hill como de costume; mas a pessoas de Dunwich prestaram mais atenção aos gritos rítmicos das enormes revoadas de bacuraus tardios que pareciam ter se reunido nas proximidades da escura propriedade dos Whateley. Depois da meia-noite as notas estridentes transformaram-se em uma espécie de cachinada demoníaca que tomou conta de todo o campo e silenciou apenas com o raiar do dia. Então os pássaros desapareceram voando em direção ao sul, que os aguardava havia mais de um mês. O significado de tudo isso ficou claro apenas mais tarde. Não houve nenhum relato de camponeses mortos — mas a pobre Lavinia Whateley, a albina disforme, nunca mais foi vista.
No verão de 1927 Wilbur consertou dois galpões no pátio e começou a enchê-los de livros e objetos pessoais. Logo em seguida, Earl Sawyer contou aos desocupados no armazém de secos e molhados de Osborn que os trabalhos de carpintaria haviam recomeçado na propriedade dos Whateley. Wilbur estava fechando todas as portas e janelas do térreo, e parecia estar removendo partições como já havia feito em companhia do avô quatro anos antes. Estava morando em um dos galpões, e Sawyer achou que parecia trêmulo e preocupado. As pessoas em geral desconfiavam de que soubesse alguma coisa sobre o desaparecimento da mãe, e poucos atreviam-se a chegar perto da propriedade. Wilbur havia crescido até a altura de dois metros e quinze centímetros, e esse desenvolvimento não dava sinais de que pudesse cessar.
* * *
O inverno seguinte trouxe um acontecimento não menos estranho do que a primeira viagem de Wilbur para fora da região de Dunwich. As correspondências com a Widener Library em Harvard, a Bibliothèque Nationale em Paris, o Museu Britânico, a Universidade de Buenos Aires e a Biblioteca da Universidade do Miskatonic em Arkham não foram o bastante para conseguir o empréstimo de um livro que buscava desesperadamente; de modo que no fim Wilbur resolveu ir pessoalmente — desleixado, sujo, com a barba por fazer e o dialeto grosseiro — consultar o exemplar na Universidade do Miskatonic, que era o mais próximo em termos geográficos. Com quase dois metros e meio de altura, depois de comprar uma valise barata no armazém de secos e molhados de Osborn, esse gárgula sombrio e com feições de bode apareceu certo dia em Arkham em busca do temível volume guardado a sete chaves na biblioteca da universidade — o pavoroso Necronomicon do árabe louco Abdul Alhazred, na edição latina de Olaus Wormius, impressa na Espanha durante o século xvii. Wilbur nunca tinha estado na cidade antes, mas não tinha nada em mente a não ser chegar ao campus da universidade; onde, a bem dizer, passou sem dar atenção pelo enorme cão de guarda com afiados dentes brancos que latiu com uma fúria e uma inimizade sobrenaturais e puxou a correia em um verdadeiro frenesi.
Wilbur tinha consigo um exemplar inestimável mas imperfeito com a versão inglesa do dr. Dee, deixada de herança pelo avô, e ao obter acesso ao exemplar latino começou de imediato a cotejar os dois textos no intuito de encontrar uma certa passagem que deveria estar na 751ª página do volume defeituoso. As boas maneiras obrigaram-no a revelar esse tanto ao bibliotecário — o mesmo erudito Henry Armitage (Mestre em Ciências Humanas pela Universidade do Miskatonic, Ph. D. pela Universidade de Princeton, Dr. em Lit. pela Universidade John Hopkins) que em outra ocasião tinha visitado a fazenda e que naquele instante o atormentava com perguntas. Admitiu que estava procurando uma espécie de fórmula ou de encantamento que contivesse o medonho nome Yog-Sothoth, e que havia ficado surpreso ao encontrar discrepâncias, repetições e ambiguidades que tornavam a tarefa um tanto difícil. Enquanto copiava a fórmula que finalmente havia escolhido, o dr. Armitage olhou involuntariamente por cima do ombro em direção às páginas abertas; e a da esquerda continha — em versão latina — ameaças monstruosas à paz e à sanidade do mundo.
“Não se deve pensar”, dizia o texto enquanto Armitage traduzia-o mentalmente, “que o homem seja o mais antigo ou o último dos mestres da Terra nem que as formas vulgares da vida e da substância andem desacompanhadas. Os Anciões foram, os Anciões são e os Anciões serão. Não nos espaços que conhecemos, mas entre um e outro. Os Anciões caminham, serenos e primevos, adimensionais e invisíveis para nós. Yog-Sothoth conhece a passagem. Yog-Sothoth é a passagem. Yog-Sothoth é a chave e o guardião da passagem. O passado, o presente e o futuro encontram-se em Yog-Sothoth. Yog-Sothoth sabe onde os Anciões ressurgiram da antiguidade, e onde Eles hão de ressurgir outra vez. Sabe por onde Eles caminharam nos campos da Terra e por onde Eles ainda caminham, e por que ninguém consegue vê-Los enquanto caminham. Pelo cheiro, os homens às vezes sentem a presença dos Anciões, porém a aparência Deles permanece oculta aos homens, salvo pelos traços das proles que geraram com a humanidade; e dentre essas existem diversos tipos, tão variados entre si quanto o mais genuíno eídolon humano e a forma sem aspecto nem substância que é Eles. Os Anciões caminham invisíveis e torpes em lugares ermos onde as Palavras foram ditas e os Ritos uivados nas respectivas Estações. O vento sussurra com as vozes Deles, e a terra murmura com a consciência Deles. Eles derrubam a floresta e destroem a cidade, contudo nenhuma floresta e nenhuma cidade pode ver a mão que golpeia. Kadath na desolação gelada conheceu-Os, mas que homem conhece Kadath? O deserto de gelo ao sul e as ilhas submersas no Oceano abrigam pedras que trazem o símbolo Deles gravado, mas quem viu a cidade sob o manto de gelo ou a torre inviolável há tanto tempo ornada por algas e cracas? O Grande Cthulhu é primo Deles, porém consegue vê-Los somente através de uma névoa difusa.
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