Iä! Shub-Niggurath! Haveis de conhecê-los como torpitude. A mão Deles está em vossa garganta, e no entanto não Os vedes; e a morada Deles é o vosso bem-guardado limiar. Yog-Sothoth é a chave da passagem através do qual as esferas se encontram. O Homem reina hoje como Eles reinaram outrora; mas logo Eles hão de reinar tal como o Homem reina hoje. Depois do verão vem o inverno, e depois do inverno, o verão. Os Anciões esperam, pacientes e poderosos, pois é aqui que Eles hão de reinar outra vez.”
O dr. Armitage, associando a leitura ao que tinha ouvido a respeito de Dunwich e das agourentas presenças no lugar, bem como a respeito de Wilbur Whateley e da obscura e horrenda aura do rapaz, que o acompanhava desde o nascimento suspeito até a nuvem de um provável matricídio, sentiu uma onda de pavor tangível como o gélido sopro do túmulo. O gigante curvo e com feições de bode que tinha diante de si parecia a prole de outro planeta ou de outra dimensão; uma criatura apenas parcialmente humana, que remontava aos abismos negros de essência e entidade que se estendem como espectros titânicos para além de todas as esferas da força e da matéria, do espaço e do tempo. No mesmo instante, Wilbur ergueu a cabeça e começou a falar com uma voz estranha e ribombante que sugeria órgãos fonadores diferentes dos que se observam nos homens comuns.
“Sr. Armitage”, disse, “acho que eu vô tê que levá esse livro pra casa. Tem u’as cousa aqui que eu priciso expermentá nu’as condições impossíveis de consegui aqui dentro, e seria um pecado dexá a burocracia me impedi. Dexe eu levá o livro e eu juro que ninguém nunca vai ficá sabeno. Nem priciso dizê que vô tomá o maior cuidado. Não fui eu que dexei esse meu exemplar no estado que ’stá…”
Wilbur se interrompeu ao ver a recusa no rosto do bibliotecário e em seguida adotou uma expressão arguta no semblante de bode. Armitage, prestes a sugerir que o consulente tirasse cópias dos trechos desejados, deteve-se ao pensar de repente nas possíveis consequências. Era responsabilidade demais entregar a uma criatura daquelas a chave de acesso a esferas de tamanha blasfêmia. Whateley percebeu o que estava acontecendo e tentou responder de maneira casual.
“Então tudo bem, se é isso que o sior pensa. Talvez em Harvard os bibliotecário não sejo tão cheio de nove-horas quanto o sior.” E, sem dizer mais nada, ergueu-se e saiu do prédio, sempre se abaixando ao atravessar o vão das portas.
Armitage ouviu os latidos selvagens do enorme cão de guarda e examinou o caminhar simiesco de Whateley enquanto este atravessava o trecho do campus visível a partir da janela. Lembrou-se dos relatos fantásticos que havia escutado e recordou-se das velhas histórias dominicais no Advertiser, bem como do folclore que havia escutado de rústicos e moradores de Dunwich durante a visita ao vilarejo. Coisas invisíveis que não pertenciam à Terra — ao menos não às três dimensões terrestres que conhecemos — corriam fétidas e horrendas pelos vales da Nova Inglaterra e espreitavam de maneira obscena no alto das montanhas. Quanto a isso o bibliotecário estava convencido de longa data. Mas naquele instante teve a impressão de sentir a presença imediata de uma parte terrível desse horror insidioso e de vislumbrar um movimento demoníaco nos domínios do pesadelo ancestral e outrora inerte. Trancou o Necronomicon com um calafrio de desgosto, mas na biblioteca ainda pairava um fedor blasfemo e ignoto. “Haveis de conhecê-los como torpitude”, disse. Claro — o fedor era o mesmo que o havia nauseado na fazenda dos Whateley menos de três anos atrás. Armitage pensou mais uma vez em Wilbur, com o aspecto de bode e de maus agouros, e riu com escárnio ao relembrar os boatos sobre a paternidade do rapaz.
“Casamentos consanguíneos?”, balbuciou a meia-voz para si mesmo. “Meu Deus, que simplórios! Se alguém lhes mostrasse O grande deus Pã de Arthur Machen, todos achariam que se trata de um mero escândalo de Dunwich! Mas o quê — que influência maldita e amorfa dessa Terra tridimensional ou do além — era o pai de Wilbur? Nascido na Candelária — nove meses depois da Noite de Walpurgis de 1912, quando boatos sobre os estranhos barulhos subterrâneos chegaram até Arkham — o que caminhou sobre as montanhas naquela Noite de Walpurgis? Que horror de Roodmas aferrou-se ao mundo na substância da carne e do sangue?”
Durante as semanas a seguir o dr. Armitage tentou colher a maior quantidade possível de informações a respeito de Wilbur Whateley e das presenças amorfas nos arredores de Dunwich. Entrou em contato com o dr. Houghton, de Aylesbury, que havia cuidado do Velho Whateley durante a última doença, e ficou muito intrigado pelas últimas palavras do avô tal como foram citadas pelo médico. Uma nova visita a Dunwich Village trouxe poucas novidades; mas um exame atento do Necronomicon, nas partes que Wilbur havia procurado com tanta avidez, parecia fornecer pistas terríveis sobre a natureza, os métodos e os desejos desse estranho mal que constituía uma insidiosa ameaça ao planeta. Conversas com vários estudiosos de sabedoria arcaica em Boston e correspondências enviadas a diversas pessoas em outros lugares foram motivo de um espanto cada vez maior, que passou por vários níveis de alarme antes de chegar ao nível de genuíno temor espiritual agudo. À medida que o verão passava ele tinha a ligeira impressão de que seria necessário tomar alguma providência a respeito dos terrores à espreita no vale superior do Miskatonic e da criatura monstruosa conhecida pelo mundo humano como Wilbur Whateley.
* * *
O horror de Dunwich ocorreu entre Lammas e o equinócio de 1928, e o dr. Armitage foi um dos que testemunhou o monstruoso prólogo do evento. No meio-tempo, ouviu relatos sobre a grotesca viagem de Whateley a Cambridge e sobre os esforços frenéticos do rapaz para retirar ou copiar trechos do Necronomicon guardado na Widener Library.
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