E não precisa recear que eu volte. Já estou curado do vício de procurar prazer na companhia de outras pessoas, no campo ou na cidade. Um homem sensato deve se contentar com sua própria companhia.

– Ótima companhia! – murmurou Heathcliff. – Pegue a vela e vá para onde quiser. Vou me juntar ao senhor daqui a pouco. Mas não vá para o pátio; os cachorros estão soltos. E a sala... Juno está de guarda lá, e... não, o senhor só vai poder andar pelas escadas e pelos corredores. Mas vá logo! Vou daqui a dois minutos!

Obedeci, ansioso para sair daquele quarto. Ignorando, porém, aonde levavam os estreitos corredores, fiquei parado e testemunhei, involuntariamente, uma demonstração de superstição por parte de meu senhorio que, estranhamente, contradizia sua aparente sensatez.

Ele subiu na cama e abriu a gelosia, irrompendo, ao fazê-lo, num incontrolável acesso de choro.

– Entre! Entre! – soluçava. – Cathy, entre. Ah, por favor... uma vez mais! Ah, minha adorada! Ouça-me desta vez, Catherine, por fim!

O espectro mostrou um capricho digno dos espectros: não deu sinais de existência. A neve e o vento, porém, entraram rodopiando freneticamente, chegando até onde eu estava e apagando a vela.

Havia tanta angústia na torrente de dor que acompanhava aquele delírio que a compaixão me fez esquecer sua loucura e me afastei, um pouco zangado comigo mesmo por ter escutado tudo aquilo, e envergonhado por ter relatado meu ridículo pesadelo, já que causara tanta agonia – embora o porquê estivesse além da minha compreensão.

Desci cautelosamente e me vi nos fundos da cozinha, onde um resquício de fogo, num monte compacto, permitiu-me acender de novo a vela.

Nada se mexia, exceto um gato malhado, que saiu do meio das cinzas e me saudou com um miado lamuriento.

Dois bancos de formato arredondado cercavam quase que por completo a lareira. Estendi-me sobre um deles, e o gato mal-encarado subiu no outro. Estávamos ambos cochilando quando alguém invadiu nosso retiro. Era Joseph, descendo por uma escada de madeira que desaparecia através de uma abertura no teto – a entrada para o sótão, suponho.

Lançou um olhar sinistro para a chama que eu reavivara, espantou o gato do seu lugar e foi ocupá-lo ele próprio, iniciando então a operação de encher de fumo um cachimbo. Minha presença em seu santuário era, obviamente, considerada por demais impertinente para merecer qualquer comentário. Ele levou o cachimbo silenciosamente aos lábios, cruzou os braços e se pôs a fumar.

Deixei-o desfrutar de seu prazer sem incomodá-lo; depois de expelir a última baforada e dar um suspiro profundo, Joseph se levantou e saiu tão solenemente quanto entrara.

Ouvi em seguida passos mais elásticos e abri a boca para dar bom-dia, mas fechei-a de novo, sem pronunciar o cumprimento, pois Hareton Earnshaw dizia suas orações sotto voce,28 numa série de pragas dirigidas a cada objeto que tocava, enquanto procurava num canto uma pá para remover a neve. Olhou por cima do encosto do banco, dilatando as narinas, e fez tanta questão de trocar cortesias comigo quanto com meu companheiro, o gato.

Imaginei, por seus preparativos, que já me era permitido sair, e, deixando meu sofá duro, fiz um gesto no sentido de segui-lo. Ele notou e apontou para uma porta interna com o cabo da pá, indicando, com um som inarticulado, que era por ali que eu deveria sair, se fosse deixar a cozinha.

A porta se abria para a sala, onde as mulheres já estavam de pé: Zillah avivando o fogo com um fole imenso que lançava faíscas chaminé acima, e a sra. Heathcliff ajoelhada diante da lareira, lendo um livro à luz das chamas.

Tinha a mão interposta entre o calor do fogo e os olhos e parecia absorvida em sua ocupação, pondo-a de lado somente para repreender a criada por cobri-la de faíscas ou para afastar um cachorro que de quando em quando metia o focinho em seu rosto.

Fiquei surpreso ao ver Heathcliff ali também. Estava de pé junto à lareira, de costas para mim, e acabava de esbravejar com a pobre Zillah, que de tempos em tempos interrompia o trabalho para erguer a ponta do avental e dar um gemido indignado.

– E você, sua... imprestável – irrompeu ele, quando entrei, voltando-se para a nora e usando um epíteto tão inofensivo quanto “pata” ou “ovelha”, mas geralmente representado por reticências. – Aí está você, à toa, como sempre! Os outros trabalham para ganhar o pão, e você vive da minha caridade! Ponha de lado esse lixo e vá procurar algo para fazer. Há de me pagar pela maldição de tê-la eternamente diante de mim... Está me ouvindo, mulher dos diabos?

– Vou colocar este lixo de lado porque o senhor pode me obrigar se eu recusar – respondeu a moça, fechando o livro e jogando-o numa cadeira. – Mas não faço mais nada exceto o que eu tiver vontade de fazer, ainda que o senhor fique mudo de tanto praguejar!

Heathcliff ergueu a mão, e a moça recuou a uma distância mais segura, obviamente familiarizada com seu peso.

Sem o menor desejo de assistir a uma briga, avancei energicamente, como se quisesse compartilhar do calor da lareira e ignorasse por completo a discussão interrompida. Ambos tiveram decoro suficiente para suspender ulteriores hostilidades: Heathcliff colocou as mãos nos bolsos, para resistir à tentação; a sra.