O primeiro reúne enredos que se passavam num reino imaginário chamado Angria, concebidos a partir de uma caixa de soldadinhos que o irmão ganhara de presente. As narrativas, “todas muito estranhas”, como escreveria Charlotte mais tarde, tratavam das aventuras daqueles soldados junto ao exército do duque de Wellington, elevado à condição de herói nacional após vencer Napoleão na batalha de Waterloo, em 1815.

O segundo ciclo teve início quando Emily completou treze anos. Ao que parece, ela e a caçula Anne insurgiram-se contra a predominância da vontade de Branwell e Charlotte na condução dos acontecimentos em Angria, e criaram para suas histórias uma ilha fictícia chamada Gondal. Da brincadeira literária propriamente dita sobraram os poemas escritos por Emily e uma lista de personagens e locais em que se passavam os episódios, feita por Anne. Mas a coisa foi muito além de uma simples brincadeira. Os mitos e lendas de Gondal continuaram presentes na trajetória das irmãs Brontë até a vida adulta, como provam trechos do diário de Emily escritos em 1841 e 1845, aos 23 e aos 27 anos, que tornam a mencionar episódios ocorridos na ilha imaginária.

Aos dezessete anos, Emily frequentaria outra vez uma escola, a mesma onde sua irmã Charlotte agora dava aulas, mas logo foi tomada de saudades de casa e preferiu voltar, sendo substituída pela irmã Anne. Aparentemente, a família não tinha dinheiro para pagar pela educação de todas as crianças ao mesmo tempo, ou então não podia dispensar sua ajuda no trabalho doméstico. Apesar da desistência de Emily e desses obstáculos práticos, já nessa época as três irmãs estavam determinadas a absorver toda a cultura e educação que pudessem, para futuramente abrir sua própria escola.

Aos vinte anos, em 1838, Emily teve também uma experiência como professora, na cidade de Halifax, no mesmo condado de Yorkshire. Sua saúde, contudo, revelou-se frágil pela primeira vez, não resistindo a uma carga de trabalho de dezessete horas por dia, e ela voltou à casa paterna logo no ano seguinte. Tempos depois, em 1842, ela e Charlotte frequentaram o Pensionato Héger, em Bruxelas, na Bélgica, onde cursaram a academia dirigida pelo respeitado Constantin Héger. Nessa época, Emily dedicou-se a escrever ensaios, nove dos quais são conhecidos hoje. Como pagamento por sua estadia, as duas irmãs chegaram a integrar o corpo docente da instituição, Charlotte como professora de inglês e Emily, de música. Foram mesmo convidadas a permanecer na função após o término do período. Contudo, mais uma vez a volta para casa se fez necessária, após a morte da tia Elizabeth.

Emily deixou uma forte impressão no famoso pedagogo belga. Embora contaminado pelo preconceito da época contra o potencial das mulheres como escritoras e intelectuais, sua admiração pela futura autora de O morro dos ventos uivantes fica evidente no depoimento que deixou sobre a jovem:

Ela deveria ter nascido homem – um grande navegador. Sua inteligência poderosa teria produzido novas esferas de descoberta a partir do conhecimento acumulado pelas antigas; e sua vontade férrea jamais teria se acovardado por qualquer oposição ou dificuldade, nunca teria desistido, a não ser em caso de morte. Tinha cabeça para a lógica e uma capacidade de argumentação pouco usual em um homem, que dirá numa mulher. Contrabalançando esse dom, havia sua teimosa tenacidade, que a tornava impermeável a qualquer contra-argumentação, sempre que seus próprios desejos e senso de justiça estavam em jogo.

Esse depoimento em primeira mão de Constantin Héger é um dos poucos que restaram sobre Emily Brontë. Isso, claro, afora os escritos de Charlotte sobre a irmã, que constituem a principal fonte para um perfil de Emily, ainda que obviamente não se proponham a fazer uma análise imparcial de seu caráter. Segundo uma estudiosa contemporânea, Charlotte foi a primeira “mitógrafa” sobre a irmã.1

Sabe-se que Emily era extremamente tímida, reclusa e apreciadora da solidão. Tinha poucos amigos fora da família, beirando a misantropia, e não gostava de viajar. Sabe-se ainda que seu espírito afetuoso e gentil se manifestava sobretudo no amor pela natureza e pelos animais, com especial carinho pela paisagem úmida e verdejante das charnecas de sua terra natal. Afora a imensidão verde dos campos, seu lugar preferido era a cozinha de sua casa, onde, diz-se, aprendeu alemão enquanto cozinhava, o que revela também sua grande inteligência e disciplina.

Fisicamente, era esguia e a mais alta das irmãs Brontë. Costumava comer pouco e, quando contrariada ou infeliz, não comia de todo. Uma amiga da família deixou o seguinte retrato da jovem escritora:

Emily Brontë, a essa altura da vida, adquirira um perfil longilíneo e gracioso. Era a pessoa mais alta da casa depois do pai. Seu cabelo, naturalmente tão belo quanto o de Charlotte, tinha os mesmos caracóis bem crespos e não muito penteados, e ela possuía a mesma palidez no rosto. Tinha olhos muito bonitos – olhos doces, vivos, úmidos; mas raramente fixava-os em alguém, pois era muito tímida. Eles tinham uma cor que se poderia definir como cinza-escuro ou, em outros momentos, azul-escuro, variando assim. Falava muito pouco.