Ela e Anne eram como gêmeas – companheiras inseparáveis e tomadas pela mais completa identificação mútua, jamais interrompida.2

Em Rainhas da literatura vitoriana, balanço publicado quase quarenta anos após a morte de Emily, seu retrato não é muito distante:

[Seu caráter possuía] uma peculiar combinação de timidez e coragem espartana. ... Era dolorosamente introspectiva, mas no aspecto físico surpreendia por sua coragem. Amava poucas pessoas, mas a essas poucas dedicava um amor capaz de grandes sacrifícios, terno e devotado. Em relação às fraquezas alheias, era compreensiva e pródiga no perdão, mas sobre si mesma mantinha uma vigília contínua e austera, nunca se permitindo desviar por um instante do que julgava ser sua obrigação.3

De volta a Yorkshire, ao regressar da Bélgica entre 1843 e 1844, as irmãs Brontë tentaram realizar o sonho de abrir sua própria escola, mas o empreendimento fracassou devido à dificuldade de atrair alunos em um ponto tão remoto do condado. Ainda em 1844, Emily começou a organizar e rever todos os poemas que havia escrito, passando-os a limpo em dois cadernos. Um intitulava-se “Poemas de Gondal”, o outro não recebeu um nome específico. No ano seguinte, descobrindo os cadernos da irmã, Charlotte insistiu para que Emily publicasse seus versos. Furiosa com a intromissão, ela resistiu a princípio, mas decidiu embarcar no projeto quando Anne confessou que também estaria disposta a tornar pública sua obra poética.

Finalmente, em maio de 1846, as três irmãs lançaram juntas um livro de poemas, numa edição custeada por elas próprias. Charlotte contribuiu com vinte poesias, Emily e Anne com 21 cada. Para isso, inventaram pseudônimos que não as identificavam indiscutivelmente nem como homens nem como mulheres, e todos com um mesmo sobrenome, igualmente fictício, Bell. Este era um dos sobrenomes do funcionário do pai, o cura de Haworth Arthur Bell Nicholls, com quem Charlotte acabaria se casando muito depois, em 1854. Na escolha dos novos prenomes, elas preservaram suas iniciais: Charlotte adotou o nome Currer, enquanto Emily e Anne tornaram-se respectivamente Ellis e Acton Bell.

O senso comum da época trataria de garantir a impressão de que eram três escritores, e não escritoras. É evidente que o recurso aos pseudônimos visava assegurar para o livro uma avaliação imparcial, e as três irmãs levaram muito a sério tal anonimato, a ponto de não revelarem suas verdadeiras identidades nem mesmo a seus futuros editores. Emily, mais que todas, parece ter sido extremamente ciosa desse segredo. Ao falar sobre essa escolha, Charlotte/Currer escreveu:

Avessas à publicidade pessoal, cobrimos nossos verdadeiros nomes sob Currer, Ellis e Acton Bell; a escolha ambígua foi ditada por uma espécie de escrúpulo de consciência em assumir nomes cristãos positivamente masculinos, enquanto, por outro lado, não queríamos nos assumir como mulheres, pois – sem suspeitarmos, na época, que nosso jeito de escrever e pensar não era o que se costuma chamar de “feminino” – tínhamos uma vaga impressão de que as escritoras estavam sujeitas a olhares preconceituosos; havíamos notado o quanto os críticos costumavam castigá-las usando a arma da identidade sexual, ou recompensá-las com a bajulação, que não é um elogio verdadeiro.4

Apesar do artifício calculado, o livro não alcançou maiores repercussões. A bem da verdade, após um ano disponível no mercado, vendera apenas dois exemplares. Contudo, as importantes revistas literárias The Athenæum e The Critic destacaram os poemas de Emily. A primeira julgou-os poderosos e musicais, e seu “autor”, um espírito fino e perspicaz. A segunda louvou o surgimento de um escritor com mais força criativa do que a “época utilitarista devotava a exercícios pedantes do intelecto”. Anne também abriu mercado para a publicação de suas poesias em jornais e revistas.

Antes e depois da publicação do romance

Ainda enquanto seu livro de poemas dormia nas prateleiras das livrarias, sem atrair grandes atenções, as irmãs Brontë testaram-se como romancistas. Charlotte, entre 1845 e 1847, produziu logo dois romances, O professor e Jane Eyre; Emily, entre 1845 e 1846, escreveu seu único, O morro dos ventos uivantes; e Anne, também nesse intervalo, criou seu primeiro, Agnes Grey, mais tarde seguido por A inquilina de Wildfell Hall, de 1848.

Em julho de 1846 as editoras já estavam analisando O professor e os romances de Ellis e Acton Bell. Após algumas recusas, O morro dos ventos uivantes e Agnes Grey foram aceitos pela casa editorial Thomas Cautley Newby Publisher, de Londres, mas o romance de Currer Bell foi novamente recusado. O editor londrino, entretanto, demorou alguns meses a colocar na rua os dois livros e, relutante, pediu que os autores financiassem parte da edição. Ao que se sabe, isso não ocorreu.

Charlotte, a única que não conseguira um contrato, recebeu em vez disso uma carta de incentivo do editor da Smith, Elder & Co., de Cornhill, cidade da Nortúmbria, outro condado inglês. Na carta, embora também recusasse O professor, ele dizia estar interessado em trabalhos mais longos que o sr. Currer Bell se dignasse a submeter para avaliação. Charlotte apressou-se a terminar Jane Eyre, que enviou em agosto de 1847. Seis vertiginosas semanas depois, ultrapassando as irmãs, teve seu romance publicado com estrondoso e imediato sucesso.

Finalmente, em dezembro de 1847, instada pelo sucesso do outro “escritor” da família, a Thomas Cautley Newby Publisher lançou os romances contratados, reunidos num conjunto de três volumes, com O morro dos ventos uivantes ocupando os dois primeiros. Visando a aproveitar o embalo comercial de Jane Eyre, malandramente, a editora anunciou o lançamento como sendo “do mesmo autor de Jane Eyre”.