Ali estava Heathcliff; alarmou-me vê-lo sozinho.
– Onde está a srta. Catherine? – exclamei, apressadamente. – Não houve nenhum acidente, houve?
– Está em Thrushcross Grange – ele respondeu –, e eu também estaria lá, mas não tiveram a gentileza de me convidar para ficar.
– Bem, isso é para você aprender! – afirmei. – Só fica satisfeito quando é mandado embora. Que ideia foi essa de ir até Thrushcross Grange?
– Deixe-me tirar estas roupas molhadas e eu conto, Nelly.
Pedi que tomasse cuidado para não acordar o patrão, e enquanto ele se despia e eu esperava para apagar a vela, ele prosseguiu:
– Cathy e eu fugimos da lavanderia em busca de um pouco de liberdade. Vendo ao longe as luzes de Grange, pensamos em ir até lá ver se os Linton passavam as noites de domingo de pé, tremendo de frio nos cantos, enquanto seus pais comiam e bebiam, riam e cantavam, diante do conforto da lareira. Acha que é assim, com eles? Ou então lendo sermões e sendo catequisados pelo criado, e obrigados a decorar uma coluna de nomes das Escrituras se não responderem tudo certo.
– Provavelmente não – respondi. – São crianças bem-comportadas, sem dúvida, e não merecem o tratamento que você e a senhorita recebem por serem tão desobedientes.
– Ora, não me venha com bobagens, Nelly – retrucou. – Nós corremos do alto do morro até o parque, sem parar... Catherine perdeu a corrida, porque estava descalça. Você vai ter que procurar os sapatos dela na charneca amanhã. Entramos por uma abertura na cerca, encontramos o caminho e nos plantamos num vaso debaixo da janela da sala de estar. A luz vinha dali: não tinham fechado as gelosias, e as cortinas estavam entreabertas. Nós nos seguramos no peitoril e olhamos lá para dentro... ah, que beleza! Uma sala esplêndida, acarpetada de carmim, com poltronas e mesas cobertas também de carmim, e o teto branco debruado de ouro, e uma cascata de gotas de cristal pendendo de argolas de prata do centro, brilhando com velas pequeninas. O sr. e a sra. Linton não estavam; Edgar e a irmã tinham a sala só para eles. Deviam estar felizes, não acha? Teríamos nos sentido no paraíso! Mas imagine o que as crianças bem-comportadas estavam fazendo... Isabella, que deve ter uns onze anos, um a menos do que Cathy, estava deitada no chão, no outro canto da sala, gritando como se bruxas a estivessem espetando com agulhas em brasa. Edgar estava de pé junto à lareira, chorando baixinho, e no meio da mesa havia um cachorrinho ganindo, a pata tremendo. Pelas acusações que um fazia ao outro, deduzimos que quase tinham rasgado o bicho ao meio, puxando um de cada lado. Que idiotas! Esse era o seu prazer: brigar para ver quem ia segurar uma bola de pelo, e começar a chorar depois da briga, recusando-se então a pegá-lo. Rimos muito deles, crianças mimadas! Como os desprezamos! Quando é que você já me viu desejando alguma coisa que Catherine quisesse? Ou nos encontrou sozinhos gritando e soluçando e rolando pelo chão, um de cada lado da sala? Eu jamais trocaria minha vida aqui pela de Edgar Linton em Thrushcross Grange... nem mesmo se tivesse o privilégio de jogar Joseph do telhado mais alto e pintar a fachada da casa com o sangue de Hindley!
– Pssst! – interrompi. – Mas ainda não me disse, Heathcliff, por que foi que Catherine não voltou com você.
– Eu disse que rimos – respondeu ele. – Os Linton ouviram e correram ambos para a porta como flechas; primeiro fez-se silêncio, depois começaram a gritar: “Ah, mamãe, mamãe! Ah, papai! Ah, mamãe, venha cá! Ah, papai!” Berravam desse jeito, feito dois loucos. Fizemos barulhos horríveis, tentando assustá-los ainda mais, e depois largamos o peitoril da janela, porque alguém estava abrindo a porta, e achamos melhor fugir. Eu segurava Cathy pela mão e tentava apressá-la, quando de repente ela caiu.
“– Corra, Heathcliff, corra! – ela sussurrou. – Soltaram o buldogue, e ele está me segurando!
“O diabo do cachorro tinha agarrado seu tornozelo, Nelly.
1 comment