A decisão de não revelar suas verdadeiras identidades e a escolha de pseudônimos com o mesmo sobrenome favoreciam tal confusão, o que não impediu os três “escritores” de protestarem por carta, exigindo que a falsa propaganda deixasse de circular.
A cronologia dos acontecimentos se embaralha nesse ponto, mas, para convencer o editor de Charlotte de que os romances não haviam sido escritos pelo mesmo homem, ela e Anne foram à editora, comprovando ser pessoas diferentes, e mulheres. Emily, que se recusou a ir, proibiu-as de revelarem seu sobrenome verdadeiro e grau de parentesco, o que inevitavelmente facilitaria a identificação de quem estava por trás do terceiro pseudônimo. Contudo, a uma dada altura da visita, Charlotte cometeu a indiscrição fatal, provocando a revolta de Emily quando esta soube do acontecido. Também há registro de que a polêmica sobre a identidade e o gênero dos escritores Bell teria se estendido até 1850, só terminando de uma vez por todas quando, no prefácio à segunda edição de O morro dos ventos uivantes, após a morte da autora, Charlotte abriu o segredo ao grande público.
Seja como for, o volume reunindo os romances de estreia de Emily e Anne vendeu razoavelmente bem, embora nada comparado ao sucesso obtido por Charlotte. Do ponto de vista da crítica, Agnes Grey teve uma acolhida morna, ofuscado pela dramaticidade mais intensa de O morro dos ventos uivantes. Ainda assim, a recepção ao romance de Emily também não foi unânime, ou mais do que isso, foi em geral ambígua. Os críticos ressaltavam que havia ali um material de grande força, mas incomodavam-se com certos elementos da composição.
Data dessa época uma carta do editor para Ellis/Emily, na qual é mencionada a existência de um segundo romance em produção, cujo manuscrito jamais foi encontrado. Impossível saber se ele simplesmente se perdeu, se foi abandonado e destruído, ou se, conforme suspeitam alguns estudiosos, a carta na verdade era dirigida a Acton/Anne, que de fato chegou a publicar um segundo romance em junho de 1848. Nesse caso, a troca de nomes na carta seria apenas mais uma confusão gerada pelos pseudônimos.
EMBORA EMILY BRONTË não possa ser considerada propriamente uma escritora pertencente ao período romântico da literatura inglesa, em geral circunscrito entre o final do século XVIII e os anos 1830, duas coisas ela tem em comum com os autores ligados ao movimento: uma vida cheia de passagens dolorosas e uma morte precoce.
Por volta de 1848, o irmão Branwell havia perdido completamente o controle de sua vida. Alcóolatra e drogado – viciado em ópio, talvez –, em seus ataques ameaçava se matar ou então matar o próprio pai. Para piorar, disfarçada pelo uso abusivo do álcool, sua saúde foi corroída pela tuberculose. Em setembro daquele ano, ele morreu.
Pouco depois de seus funerais, foi a vez de Emily contrair um forte resfriado e logo apresentar também sintomas de tuberculose. Assim como as irmãs, ela acreditava que a saúde de toda a família era frágil devido ao clima inóspito da região em que viviam e às deficientes condições sanitárias de sua casa, cujo subsolo, e consequentemente as minas de água utilizadas, estariam contaminados pelo chorume do cemitério junto à igreja onde o pai ainda trabalhava (ele morreria apenas em 1861).
Embora piorasse de saúde a cada semana, ela rejeitou qualquer atendimento médico e os remédios habituais, dizendo que não gostaria de ter ao seu lado “nenhum doutor envenenador”. Na manhã de 19 de dezembro de 1848, Charlotte, já temendo pela vida da irmã e ainda abalada pela morte recente do irmão, escreveu:
Ela está a cada dia mais fraca. A opinião do médico foi expressa de maneira obscura demais para ter qualquer serventia – ele enviou alguns remédios que Emily se recusou a tomar. Horas tão lúgubres quanto essa eu jamais vivenciei. Rezo a Deus que ampare a todos nós.
Ao meio-dia, Emily se comunicava aos sussurros, com extrema dificuldade para respirar. Finalmente aceitou ser examinada por um médico, mas era tarde. Com apenas trinta anos, morreu naquele mesmo 19 de dezembro, por volta das 14h, num sofá da residência familiar em Haworth. Emagrecera tanto que seu caixão iria medir apenas 41 centímetros de largura. Foi enterrada no mausoléu dos Brontë na igreja de St. Michael and All Angels. Não viveu o bastante para conhecer a perpétua fama literária que O morro dos ventos uivantes lhe garante até hoje.
Sua morte deprimiu profundamente Anne. Quando chegou o Natal, também ela apresentou problemas pulmonares. O pai chamou um médico no início de janeiro. O diagnóstico, embora esperado, era terrível: mais um caso de tuberculose na família, com poucas chances de sobrevivência. Ao contrário de Emily, Anne tomou todos os remédios prescritos e logrou prolongar sua vida, com flutuações positivas e negativas do quadro clínico, até maio de 1849, quando morreu. Charlotte, em apenas nove meses, viu-se privada da companhia de seus três últimos irmãos. E a carreira literária das outras Brontë, muitíssimo promissora apesar da pouca idade de ambas, chegara ao fim.
Em 1850, Charlotte fixou definitivamente o texto dos poemas e romances que haviam deixado. Em O morro dos ventos uivantes, ela apenas refinou a pontuação e corrigiu erros tipográficos.
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