Mas Heathcliff afirma que o principal motivo para retomar contato com o antigo opressor é um desejo de se instalar em algum lugar perto de Thrushcross Grange e um apego à casa em que vivemos juntos. Além disso, tem também a esperança de que eu e ele venhamos a ter mais oportunidades de nos ver desse modo do que se ele se instalasse em Gimmerton. Pretende pagar regiamente pela permissão de se hospedar em Wuthering Heights; com certeza a cobiça de meu irmão há de levá-lo a aceitar seus termos. Sempre foi ganancioso, embora o que agarra com uma das mãos jogue fora com a outra.

– Belo lugar para um jovem estabelecer residência! – comentei. – Não teme as consequências, sra. Linton?

– No que diz respeito ao meu amigo, não – respondeu. – Seu discernimento vai mantê-lo fora de perigo. Tenho certo medo das consequências para Hindley, mas ele não pode ficar pior moralmente do que já é, e vou evitar que qualquer coisa mais séria lhe ocorra. Os acontecimentos desta noite me reconciliaram com Deus e com a humanidade! Estava revoltada contra a Providência. Ah, sofri demais, demais mesmo, Nelly! Se aquela criatura soubesse o quanto, teria vergonha de macular com sua petulância o momento em que esse sofrimento acabou. Foi só bondade para com ele que me fez suportar o sofrimento sozinha. Se eu expressasse a agonia em que frequentemente me encontrava, ele teria passado a desejar tanto quanto eu que terminasse. Mas chegou ao fim, e não vou me vingar de sua tolice. Daqui por diante, vou ser capaz de aguentar tudo! Se a pessoa mais vil sobre a terra me esbofeteasse na face, não apenas eu daria a outra,54 mas pediria perdão por tê-la provocado. E, como prova disso, vou fazer as pazes com Edgar agora mesmo. Boa noite! Sou um anjo!

Nessa convicção autocomplacente, ela se foi, e o sucesso de sua resolução cumprida estava óbvio pela manhã: o sr. Linton não apenas deixara de lado a irritação (embora o humor ainda parecesse algo sombrio ante a exuberância da vivacidade de Catherine) como não fez objeção a que ela levasse Isabella consigo numa visita a Wuthering Heights, pela tarde. Catherine recompensou-o com tanto afeto e ternura que transformou a casa num paraíso durante vários dias, tanto o patrão quanto a criadagem desfrutando daquele sol que brilhava incessantemente.

Heathcliff – sr. Heathcliff, eu deveria dizer, daqui por diante – usou com cautela a liberdade de visitar Thrushcross Grange, a princípio. Catherine também julgou prudente moderar suas manifestações de prazer ao recebê-lo, e ele aos poucos foi estabelecendo seu direito de ser acolhido.

Conservava boa parte daquela reserva que marcara sua meninice, e isso servia para reprimir quaisquer demonstrações mais alarmantes de sentimento. O desconforto de meu patrão teve um período de bonança e acabou sendo desviado para outro setor.

Sua nova fonte de preocupação advinha do imprevisto infortúnio que era o fato de Isabella Linton demonstrar súbita e irresistível atração pelo tolerado visitante. Ela era, à época, uma moça encantadora de dezoito anos de idade; seu comportamento ainda era infantil, mas dotado de viva sagacidade. Vivos eram também seus sentimentos e seu temperamento, quando ela se irritava. Seu irmão, que muito a amava, ficou atônito ante aquela preferência extravagante demonstrada pela moça. Sem levar em conta a degradação de uma aliança com um homem sem sobrenome e a possibilidade de que sua propriedade, na falta de herdeiros do sexo masculino, viesse a passar para as mãos de alguém assim, ele tinha sensibilidade suficiente para compreender as intenções de Heathcliff e saber que, embora o exterior estivesse diferente, a mente continuava inalterada e inalterável. E temia aquela mente, causava-lhe revolta; ele estremecia ante a ideia de confiar Isabella aos seus cuidados.

Teria estremecido ainda mais se tivesse consciência de que o afeto dela nascera espontaneamente e não encontrava reciprocidade; pois, no instante em que descobriu sua existência, pôs a culpa em Heathcliff, como se este o houvesse deliberadamente provocado.

Todos já havíamos notado, a essa altura, que algo trazia aflição e ansiedade à srta. Linton. Ela se tornara irritadiça e fastidiosa, dando respostas ásperas a Catherine e provocando-a sem cessar, sob o risco iminente de esgotar sua limitada paciência. Perdoávamos, até certo ponto, atribuindo seu humor à saúde fraca: emagrecia e murchava a olhos vistos. Um dia, porém, quando estava particularmente indócil, rejeitando o café da manhã, reclamando que os criados não faziam o que mandava, que a patroa não lhe dava voz ativa na casa e que Edgar a negligenciava, que ficara resfriada graças às portas abertas e que deixávamos a lareira da sala apagar de propósito para aborrecê-la, mais uma centena de outras acusações ainda mais frívolas, a sra.