O Poço do Visconde

O POÇO DO VISCONDE

 

 

 

 

 

 

Ao receber o jornal, Pedrinho sentou-se na varanda com os pés em cima da grade. Narizinho, que estava virando a máquina de costura de Dona Benta, disse:

— Vovó, eu acho uma grande falta de educação essa mania que Pedrinho pegou dos americanos, de sentar-se com os pés na cara da gente. Olhe o jeito dele...

Dona Benta suspendeu os óculos para a testa e olhou.

    Certos sábios afirmam, minha filha, que quando uma pessoa se senta com as extremidades niveladas, a circulação do sangue agradece, e a cabeça pensa melhor. É por esse motivo, que os homens de negócios da América costumam nivelar as extremidades, sempre que têm de resolver um assunto importante. A coisa fica mais bem resolvida — dizem eles.

    E é verdade?

    Os negócios de lá prosperam melhor que os de qualquer outro país; se o tal nivelamento dos pés com a cabeça contribui para isso, não sei. Ê problema para os fisiologistas resolverem.

    Que é fisiologista?

    Os fisiologistas são os sábios que estudam o funcionamento do nosso corpo. Aquele livro que estou lendo, Man the Unknown,([*]) foi escrito por um grande fisiologista, Alex Carrel.

Depois que Pedrinho soube da opinião de Dona Benta, nunca mais deixou de ler sem botar os pés para cima, costume que Emília e o Visconde adotaram imediatamente — Emília por espírito de imitação e o Visconde por ordem de Emília. — "Vossa Excelência fica proibido de ler com as extremidades desniveladas" — ordenou ela. — "É por ler de pé, ou sentado, que está velhinho e ainda nem entrou para a Academia Brasileira." — E o pobre Visconde, apesar dos reumatismos, teve de continuar a leitura da sua geologia dobrado que nem um V.

Geologia? Pois o Visconde andava a estudar geologia?

Verdade, sim. O Visconde descobrira entre os livros de Dona Benta um tratado dessa ciência e pusera-se a estudá-la — a ciência que conta a história da terra, não da terra-mundo, mas da terra-terra, da terra-chão. E de tanto estudar, ficou com um permanente sorriso de superioridade nos lábios — sorriso de dó da ignorância dos outros. "Ele já entende de terra mais que tatu", dizia a boneca.

Mas, como íamos contando, naquele dia Pedrinho começou a ler o jornal à moda americana, com os pés em cima da grade. Em certo momento interrompeu a leitura para dizer em voz alta falando consigo mesmo:

— Bolas! Todos os dias os jornais falam em petróleo e nada do petróleo aparecer. Estou vendo que se nós aqui no sítio não resolvermos o problema o Brasil ficará toda a vida sem petróleo. Com um sábio da marca do Visconde para nos guiar, com as idéias da Emília e com uma força bruta como a do Quindim, é bem provável que possamos abrir

Ao receber o jornal, Pedrinho sentou-se na varanda, com os pés em cima da grade.

 

no pasto um formidável poço  de petróleo. Por que não?

Disse e ficou pensando no assunto com os olhos nas andorinhas que desenhavam "riscos de velocidade" no céu azul. Depois chamou o geólogo e disse:

— O amigo Visconde já deve estar afiadíssimo em geologia de tanto que lê esse tratado. Pode portanto dar parecer num problema que me preocupa. Acha que poderemos tirar petróleo aqui no sítio?

O Visconde respondeu depois de cofiar as palhinhas do pescoço:

    Ê possível, sim. Com base nos meus estudos estamos em terreno francamente oleífero.

    Lá vem! Lá vem o pedante com os tais termos arrevesados! Que quer dizer oleífero?

    Oleífero, quer dizer produtor de óleo. Frutífero, produtor de frutas; argentífero, produtor de prata...

    Milhífero, produtor de milho — gritou a boneca, aparecendo e metendo o bedelho na conversa. Em vez de tanta ciência, eu preferia que o Senhor Visconde produzisse grãozinhos de milho de pipoca. Há um mês que tia Nastácia não rebenta nenhuma, porque o milho acabou. Se este sabugo de cartola produzisse pipocas em vez de ciência, seria muito melhor.

    Não encrenque, Emília — ralhou Pedrinho. — Estamos a tratar dum assunto muito sério: o petróleo. Que acha de abrirmos um poço de petróleo aqui no sítio?

Emília arregalou os olhos. A lembrança pareceu-lhe de primeiríssima.

    Ótimo, Pedrinho! Até parece idéia minha. E tenho um plano maravilhoso para conseguir uma perfuração bem redonda e profunda.

    Qual é?

    O tatu! Amarra-se um tatu pela cauda e pendura-se ele de cabeça para baixo, no ponto onde queremos abrir o poço. Na fúria de fugir, o tatu vai furando, furando até chegar no petróleo...

    E aí?

    Aí espirra — e a gente fica sabendo que deu no petróleo.

Pedrinho tocou Emília da varanda e continuou na discussão com o Visconde.

    Primeiro — disse o grande sábio — temos de abrir um curso de geologia. Sem que todos saibam alguma coisa da história da terra, não podemos pensar em poço.