O material das rochas ígneas, desagregado pela Erosão, era arrastado para os mares e depositava-se no fundo deles — e isso se deu em tamanhas proporções que na superfície da terra há hoje muito mais rochas sedimentárias do que ígneas. Estas foram na maior parte destruídas — ou transformadas. Só restam as que estão no fundo, livres do contacto da água e do ar.
— Mas se é assim — disse Pedrinho — a crosta da terra devia estar toda reduzida a areia e pó — e não está.
— Não está porque a Erosão tem três inimigos que invertem a sua obra de pulverizamento.
— Quais são eles?
— A Pressão, a Cimentação e o Metamorfismo. Logo que se forma um sedimento no fundo das águas, estes três inimigos entram em cena para ligar de novo as partículas de rocha que a Erosão desagregou. Eles ligam essas partículas, cimentam-nas, soldam-nas. Surgem então as massas de rochas sedimentárias: os conglomerados compostos de pedregulhos ou fragmentos de rocha cimentados entre si: os arenitos, que não passam de grãos de areia também cimentados entre si; os xistos, que são pó de argila consolidado; e as chamadas rochas orgânicas, formadas de resíduos de conchas e ossos de peixe e também de vegetais.
— Que luta é a vida! — exclamou Narizinho. Um faz e outro desfaz. Nada tem sossego...
O Visconde enxugou o suorzinho da testa e continuou:
— Essa briga entre a Erosão e os seus três inimigos faz que realmente as rochas não tenham sossego. A erosão as esfarela; os outros as recompõe — e será assim eternamente.
— E as tais rochas orgânicas?
— São rochas sedimentárias constituídas pelos restos mortais dos animálculos e das plantas. Quando uma floresta é soterrada, todas as árvores nela existentes se transformam numa rocha de nome hulha, ou carvão de pedra. Nos brejos as plantas aquáticas que morrem e afundam formam uma rocha de nome turfa. E nos mares, quando se sedimentam casquinhas de numerosos animálculos e esqueletos de peixe, formam-se conglomerados de rocha calcária. São essas as rochas orgânicas.
— E o tal Metamorfismo? — quis saber a menina.
— Bom. O metamorfismo dá-se quando as rochas sedimentárias são muito comprimidas pela pressão ou atacadas pelo calor. Prestem atenção: sempre que lá no fundo da terra um jato de rocha derretida sobe e intromete-se por entre as camadas de rocha sedimentária, o tremendo calor da rocha derretida derrete a rocha sedimentária com que ficou em contacto — salda as partículas, redu-las quase a rocha ígnea outra vez. A pressão excessiva, junto com o calor, também as modifica. B as rochas sedimentárias que sofrem esses calores e essas pressões são conhecidas pelos geólogos como rochas metamórficas.
— Que quer dizer metamórfico?
— Quer dizer que sofreu uma metamorfose. Metamorfose é a passagem dum estado para outro. Emília, por exemplo, metamorfoseou-se em gente, isto é, passou de boneca de pano a gente. As borboletas são produtos duma interessantíssima metamorfose. Começam lagartas, esses bichos cabeludos que andam por aí a se arrastarem, comendo folhas de plantas; um dia as lagartas param de comer, encolhem-se num galhinho e sofrem uma metamorfose; viram casulos. O casulo passa uma porção de tempo dormindo, e um belo dia sai dele a
borboleta. Tudo são metamorfoses.
— Outra metamorfose interessante — disse Dona Benta — é a do pensamento lógico que temos durante o dia nessa coisa misteriosa que chamamos sonho. E como o relógio vai bater nove horas, acho que é tempo de irmos para a cama metamorfosear nossos pensamentos em sonhos. Basta por hoje, Visconde. Gostei da sua liçãozinha. Está certa. Deixe o resto para amanhã.
Todos concordaram que a lição do Visconde fora boa, exceto tia Nastácia. A negra dormira o tempo inteiro. E quando Narizinho a censurou por causa disso, respondeu com a maior sinceridade:
— Pra que ouvir, menina? Não entendo nada mesmo...
II
Segundo serão
No serão seguinte reuniram-se mais cedo. A curiosidade aumentava.
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