Pedrinho plantou novamente o geólogo em cima da mesa e cada qual se sentou na cadeira da véspera. Tia Nastácia também veio, mas nem esperou o começo. Tratou logo de tirar uma boa soneca.
Depois de cuspir o pigarrinho, o Visconde deu começo à lição.
— Vimos ontem — disse ele — que a terra principiou uma bola de pedra feita duma mistura de minerais. Quer dizer que por aqui só havia minerais — nada de animal ou vegetal. Mas a Água, o Ar e o Calor se ligaram para criar as primeiras vidas, todas vegetais. Fizeram surgir no mar umas coisinhas mínimas, fabricadas de minerais, mas que já não eram minerais — eram vegetais. Logo, o vegetal é filho do mineral; é o próprio mineral sob forma diferente. E o que caracteriza esse vegetal é aparecer sob forma organizada, ou com órgãos. Organizado é uma coisa que tem órgãos.
— E órgãos, que é? — quis saber Narizinho.
— Órgão é um aparelho que desempenha uma função, isto é, que faz qualquer coisa. Os minerais não têm órgão; por isso são parados. Os vegetais têm. As vidinhas vegetais que surgiram foram se desenvolvendo, ficando cada vez mais complicadas e aperfeiçoadas, até darem os vegetais que temos hoje — as árvores, os capins, tudo. Se analisarmos a matéria que compõe um vegetal, veremos que é toda mineral. Por isso digo que o vegetal é filho do mineral. É o mineral com órgãos. Em certo momento da vida da terra alguns desses vegetais começaram a modificar-se lentissimamente, porque tudo na natureza é terrivelmente lento. Pressa não é com ela — não passa de invenção dos homens. Começaram a modificar-se num sentido diferente do resto — e foi assim que surgiram os primeiros animaizinhos. Ainda hoje existem seres minúsculos que não são bem vegetais nem bem animais.
— Que são então?
— São vegetais e animais ao mesmo tempo. Isto mostra que naqueles começos de vida na terra, houve um tempo em que o animal estava ainda meio lá meio cá, meio planta meio futuro animal. A natureza que vive experimentando coisas, depois de criar a vida vegetal resolvera experimentar uma novidade: a vida animal. O processo da natureza é o da experiência e erro. Experimenta, erra; experimenta, erra; súbito, experimenta e acerta — e então fixa ou conserva aquele acerto, e toca para diante com outras experiências.
— E acertou com o animal?
— Tanto acertou que aqui estamos nós, animais aperfeiçoadíssimos.
Emília cochichou ao ouvido de Narizinho: "Olha a pretensão dele! Nós, animais! Um vegetalíssimo sabugo a considerar-se animal! Tem graça..."
O Visconde continuou:
— Por fim o animal destacou-se definitivamente do vegetal, criando órgãos novos; mas não passa dum filho direto do vegetal.
— Neto, portanto, do mineral — acrescentou Pedrinho.
— Exatamente, neto do mineral. Se analisarmos a matéria que compõe um animal veremos que é todinha formada de minerais. Logo, o animal é a terceira forma do mineral. Mais tarde, com o desenvolvimento dos animais, surgiu neles uma coisa nova: o Pensamento.
— Bisneto do mineral! — gritou Pedrinho.
— Para mim é isso mesmo — concordou o Visconde. Não sei se para os outros sábios também será... Mas como eu ia dizendo, a base de tudo, inclusive da vida, é o mineral, que temos na natureza, sob forma das rochas, onde está escrita toda a história da terra. A história do homem, muito curtinha, pois não vai além de 7.000 anos, nos é contada pelos documentos ou restos humanos que resistiram à destruição do tempo — múmias de egípcios, inscrições em monumentos, as pirâmides e outras coisas assim. Mas a história da terra, contada pelas rochas, alcança milhões de anos.
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