O Retorno do Nativo

O Retorno do Nativo

Thomas Hardy

Copyright © 2016 by Pedrazul Editora Ltda.

Todos os direitos reservados à Pedrazul Editora. Texto adaptado à nova ortografia da Língua Portuguesa, Decreto n° 6.583, de 29 de setembro de 2008.

Direção Geral: Chirlei Wandekoken

Direção de Arte: Eduardo Barbarioli

Tradução: Michelle Gimenes

Revisão Ortográfica: Carolina S. L. Pegorini

Capas: Willem Koekkoek (1839 – 1885), “Nederlands Stadsgezicht” (1880)

Alvan Fischer (1792 – 1863), “Pastoral Landscape” (1854)

Comissão de Capa: Carolina S. L. Pegorini, Chirlei Wandekoken e Enza Said.

www.pedrazuleditora.com.br








Tradução de Michelle Gimenes

Edição dedicada a Danir Reis Moreira– SP.

PREFÁCIO

A data em que os eventos a seguir supostamente ocorreram pode ser definida como entre 1840 e 1850, quando o antigo balneário aqui denominado "Budmouth" ainda conservava uma aura suficiente de sua alegria e prestígio georgianos para torná-lo uma atração cativante ao espírito romântico e imaginativo de um morador solitário do interior.

Sob o nome geral de "Egdon Heath," que foi dado ao cenário sombrio da história, são reunidas ou tipificadas charnecas de várias denominações reais, totalizando pelo menos uma dúzia; elas praticamente são uma só quanto à natureza e à aparência, embora sua unidade original, ou unidade parcial, agora esteja um tanto alterada pelas faixas e sulcos invasivos feitos pelo arado com variados graus de sucesso, ou coberta por plantações que se estendem até a mata.

É agradável sonhar que algum lugar da extensa região cuja porção sudoeste é aqui descrita possa ser a charneca de Lear, o lendário Rei de Wessex.

Julho de 1895.

"À tristeza

Eu disse adeus,

E pensei em abandoná-la;

Mas… que felicidade!,

Ela me ama de verdade;

Ela é tão fiel e tão amável.

Eu devia enganá-la,

E então deixá-la,

Mas ah! Ela é tão fiel e tão amável."

 

LIVRO UM

AS TRÊS MULHERES

CAPÍTULO 1

Um Rosto no Qual o Tempo Deixa Poucas Marcas

Na tarde de um sábado de novembro, a hora do crepúsculo se aproximava e a vasta extensão de terras ermas ilimitadas, conhecida como Egdon Heath, escurecia pouco a pouco. Acima, preenchendo o vazio, nuvens claras cobriam o céu feito uma tenda, que tinha como piso toda a charneca.

O céu se estendia com sua tela pálida e a terra com sua vegetação escura, e a linha onde ambos se encontravam no horizonte era claramente delimitada. Diante de tal contraste, a charneca tinha o aspecto de uma parcela da noite que se adiantara à hora definida pelos astros: a escuridão havia tomado grande parte do solo, enquanto o dia continuava distinto no firmamento. Ao olhar para cima, um cortador de tojo se sentiria inclinado a continuar trabalhando; ao olhar para baixo, ele decidiria encerrar a tarefa e ir para casa. Os distantes limites do céu e da terra pareciam ser mais uma divisão do tempo do que da matéria. A aparência da charneca, por sua simples natureza, acrescentava meia hora ao anoitecer; poderia, do mesmo modo, atrasar o alvorecer, anuviar o meio-dia, antecipar a fúria das tempestades que raramente desabavam e intensificar a opacidade da meia-noite sem lua para causar tremores e pavor.

Na verdade, exatamente nesse instante de transição da agitação noturna em escuridão, a grande glória particular do ermo de Egdon começava, e ninguém que jamais estivera presente na charneca em tal momento seria capaz de entendê-la. Essa glória era mais bem sentida quando não podia ser claramente vista, seu efeito total e sua explicação residiam nisso e nas horas imediatamente anteriores ao alvorecer seguinte; então, e só então, contava sua verdadeira história. O lugar tinha, de fato, uma relação próxima com a noite, e quando ela chegava era possível perceber uma aparente tendência de gravitação em suas sombras e na paisagem. A sombria extensão de suas elevações e depressões parecia levantar-se para cumprimentar a melancolia noturna com pura simpatia, e a charneca emanava escuridão com a mesma rapidez com que o céu se precipitava sobre o solo. E assim a obscuridade do ar e a obscuridade da terra se uniam em uma confraternização negra em que cada uma delas avançava metade do caminho.

Então o lugar se enchia de intensidade vigilante, pois quando as outras coisas caíam no sono a charneca parecia despertar lentamente e ouvir. Toda noite sua forma titânica parecia esperar por algo; no entanto, ela vem esperando, imóvel, há tantos séculos, durante crises de tantas coisas, que só se poderia imaginar que aguarda uma última crise – a destruição final.

Era uma região que voltava à memória daqueles que a amavam com um aspecto de harmonia peculiar e gentil. Campos sorridentes de flores e frutas dificilmente têm esse efeito, pois são continuamente harmoniosos apenas pela existência de uma reputação melhor de seu conteúdo do que de seu presente. O crepúsculo combinou-se com a paisagem de Egdon Heath para gerar algo majestoso sem severidade, impressionante sem ostentação, enfático em suas advertências, grandioso em sua simplicidade. As qualidades que frequentemente dão à aparência de uma prisão muito mais dignidade que possa ser encontrada na aparência de um palácio, dobram de tamanho quando emprestadas a essa charneca, uma sublimidade que falta completamente a lugares conhecidos por sua beleza do tipo aceitável. Belas paisagens combinam perfeitamente com bons tempos; mas, ai, se os tempos não são bons! Reiteradamente, os homens têm sofrido mais com a zombaria de um lugar demasiado alegre para seus propósitos do que com a opressão de cercanias excessivamente tristes. O desolado Egdon apelava a um instinto mais sutil e raro, a uma emoção conhecida mais recentemente do que aquela que responde a um tipo de beleza considerada charmosa e atraente.

De fato, há dúvidas sobre se o reinado exclusivo dessa beleza ortodoxa não está chegando ao fim. O novo Vale de Tempe pode ser um local ermo e desolado em Thule; a alma humana pode se aproximar cada vez mais da harmonia com as coisas externas que nos pareciam desagradavelmente sombrias na juventude. Parece estar chegando o momento, se é que ainda não chegou, em que a humilde sublimidade de um pântano, mar ou montanha será a única natureza a estar totalmente em sintonia com os humores dos seres mais pensantes da humanidade. E, por fim, para o turista mais comum, lugares como a Islândia podem se tornar o que os vinhedos e jardins de murta do sul da Europa são para ele atualmente; e Heidelberg e Baden passarão despercebidas conforme ele se apressa dos Alpes para as dunas de Scheveningen.

O asceta mais extremo poderia pensar que tinha o direito inerente de vagar por Egdon – ele se manteria na linha de indulgência legítima ao abrir-se às influências como aquelas. Cores e belezas que até então estavam apagadas eram, ao menos, um direito inato a todos. Apenas nos dias de verão mais radiantes o humor do lugar chegava perto da alegria. A intensidade era mais comumente alcançada por meio do solene que do brilhante, e tal tipo de intensidade seguidamente chegava durante a escuridão, as tempestades e as névoas do inverno. E então Egdon despertava e demonstrava reciprocidade, pois o temporal era seu amante, e o vento seu amigo. Logo, tornou-se o lar de estranhos fantasmas; e descobriu-se que, até então, fora a origem desconhecida daquelas regiões selvagens e obscuras que vagamente parecem nos cercar nos sonhos de fuga e desastre que surgem à meia-noite, e que jamais são lembrados depois que acordamos, até que sejam revividos por cenas como essa.

Naquele momento, era um lugar perfeitamente de acordo com a natureza humana – nem horrível, odioso ou feio; nem banal, inexpressivo ou domesticado; mas, tal qual o homem, menosprezado e perseverante; e, apesar disso, singularmente colossal e misterioso em sua trigueira monotonia. Assim como algumas pessoas que viveram sozinhas por muito tempo, a solidão parecia estampada em seu semblante.