Uma espécie de irmão, suponho?”
“Ó, irmãos! Não me importo com irmãos. Meu irmão mais velho não morre, e meus irmãos mais novos parecem nunca fazer outra coisa além disso.”
“Harry!”
“Meu caro amigo, não estou falando sério. Mas não deixo de detestar meus parentes. Suponho que isso se deva ao fato de que não conseguirmos tolerar que outras pessoas tenham os mesmos defeitos que nós. Simpatizo totalmente com a raiva da democracia inglesa contra o que chamam de vícios das classes superiores. Acreditam que embriaguez, imoralidade e estupidez devam ser exclusividade deles, e que se algum de nós age como um asno está furtando de suas despensas. Quando o pobre Southwark entrou no tribunal de divórcios, a indignação deles foi magnífica. Mesmo assim, não acredito que 10% das classes inferiores viva de modo correto.”
“Não concordo com uma só palavra do que você disse, e mais ainda, Harry, creio que você também não.”
Lorde Henry cofiou a barba castanha pontuda, e bateu na ponta de sua bota de couro envernizado com uma bengala ornada de ratã. “Como você é inglês, Basil! Se alguém expõe uma ideia para um verdadeiro inglês, sempre uma coisa imprudente de se fazer, ele jamais sonha em ponderar se a ideia é certa ou errada. A única coisa que considera de alguma importância é se a própria pessoa acredita nela. Ora, o valor de uma ideia não tem nada a ver com a sinceridade do homem que a expressa. Na verdade, é mais provável que, quanto menos sincero for o homem, mais puramente intelectual será a ideia, pois nesse caso ela não será colorida por suas necessidades, desejos ou preconceitos. No entanto, não me proponho a discutir política, sociologia ou metafísica com você. Gosto mais de pessoas do que de princípios. Conte-me mais sobre Dorian Gray. Com que frequência você o vê?”
“Todos os dias. Eu não seria feliz se não o visse todos os dias. É claro que às vezes é só por alguns minutos. Mas alguns minutos com alguém que se adora significa muita coisa.”
“Mas você não o adora realmente, adora?”
“Sim.”
“Que extraordinário! Pensei que você nunca se importasse com nada a não ser a sua pintura, melhor dizendo, a sua arte. Arte soa melhor, não acha?”
“Ele é toda a minha arte para mim agora. Às vezes penso, Harry, que há somente duas eras de alguma importância na história do mundo. A primeira é o surgimento de um novo meio para a arte, e a segunda é o surgimento de uma nova personalidade, também para a arte. Aquilo que a invenção da pintura a óleo foi para os venezianos, o rosto de Antínoo foi para a escultura grega tardia, e o rosto de Dorian Gray será algum dia para mim. Não que eu apenas pinte a partir dele, desenhe a partir dele, ou modele a partir dele. É claro que fiz tudo isso. Ele posou como Páris numa elegante armadura, e como Adônis, com o capote de caçador e a lustrosa lança de caçar javalis. Sentou-se à proa da barca de Adriano, coroado com pesadas flores de lótus, olhando para as águas verdes e turvas do Nilo. Inclinou-se sobre o lago imóvel de algum bosque grego, e viu no espelho prateado e silencioso da água o milagre de sua própria beleza. Mas ele é muito mais do que isso para mim. Não vou lhe dizer que estou insatisfeito com o que fiz a partir dele, ou que sua beleza é tal que a arte não pode expressá-la.
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