Claro que às vezes só por alguns minutos. Mas poucos minutos com uma pessoa que alguém cultua é muita coisa.”
“Mas você realmente não o cultua?”
“Sim.”
“Que extraordinário! Pensei que você nunca se importasse com qualquer coisa mais além de sua pintura, sua arte, devo dizer. Arte soa melhor, não é?”
“Ele é toda a minha arte para mim agora. Às vezes acho, Harry, que há apenas duas eras de alguma importância na história do mundo. A primeira é a aparição de um novo meio para a arte e a segunda é o surgimento de uma nova personalidade também para a arte. O que a invenção da pintura a óleo foi para os venezianos e o rosto de Antínoo foi para a finada escultura grega, a face de Dorian Gray será algum dia para mim. Não é somente porque pinto a partir dele, desenho a partir dele, modelo a partir dele. Claro que fiz tudo isso. Ele posou como Páris em delicada armadura e como Adônis com túnica de caçador e uma polida lança para javalis. Coroado com flores de lótus, ele se sentou à proa da barca de Adriano, olhando para o verde e turvo Nilo. Ele se apoiou sobre algum plácido lago em algum bosque na Grécia e viu nas calmas águas prateadas a maravilha de sua própria beleza. Mas ele é mais para mim do que isso. Não lhe direi que estou insatisfeito com o que fiz dele, que a sua beleza é tamanha que a arte não pode expressá-la. Não há nada que a arte não possa expressar, e sei que o trabalho que tenho feito desde que encontrei Dorian Gray é de boa qualidade; é o melhor trabalho que fiz na minha vida. Mas, de alguma maneira curiosa – pergunto-me se você irá compreender – a personalidade dele me sugeriu um método completamente novo para a arte, um estilo completamente novo. Eu vejo as coisas diferentes, penso nelas diferente. Posso, agora, recriar a vida de um modo que me estava oculto antes. ‘Um sonho de forma em dias de pensamento’ – quem foi que disse isso?[4] Não me recordo; mas é o que Dorian Gray tem sido para mim. A simples presença visível desse rapazote – pois ele me parece um pouco mais do que um rapazote, embora tenha um pouco mais de vinte anos – sua simples presença visível – ah! Eu me pergunto se você pode compreender o que isso significa. Inconscientemente ele define para mim as linhas de uma nova escola, uma escola que tem em si mesma toda a paixão do espírito romântico, toda a perfeição do espírito que é grega. A harmonia do corpo e da alma – quanto há disso! Nós, em nossa loucura, separamos os dois e inventamos um realismo que é bestial, um idealismo que é vazio. Harry! Harry! Se você soubesse o que Dorian Gray é para mim! Lembra daquele panorama que fiz, pelo qual Agnew ofereceu um valor tão alto, mas do qual eu não poderia me separar? É uma das melhores coisas que já fiz. E por quê? “Porque, enquanto eu o pintava, Dorian Gray sentou-se ao meu lado.”
“Basil, isso é deveras maravilhoso! Eu preciso ver Dorian Gray”.
Hallward levantou-se e caminhou a esmo pelo jardim. Depois de algum tempo, retornou. “Você não compreende, Harry”, ele disse. “Dorian Gray, para mim, é somente um tema dentro da arte. Ele nunca está mais presente em meu trabalho do que quando nenhuma imagem dele está lá. Ele é simplesmente uma sugestão, como eu disse, de um novo método. Eu o vejo nas curvas de certas linhas, nas graças e nas sutilezas de determinadas cores. Isso é tudo”.
“Então, por que não exibir seu retrato?”
“Porque coloquei nele todo o romance extraordinário que, obviamente, nunca ousei falar para ele.
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