No fundo, cada um deles pensava secretamente
se não poderia tirar vantagem para si próprio da infelicidade
de Jones. Era uma sorte que os proprietários das duas quintas
contíguas à Quinta dos Animais não mantivessem boas relações.
Uma delas, chamada Foxwood, era uma quinta grande, mal
tratada, antiquada, cheia de mato, com todas as pastagens
secas e as cercas num estado deplorável. O seu proprietário, o
Sr. Pilkington, era um agricultor bonacheirão, que passava a
maior parte do seu tempo a pescar ou a
...
37
GEORGE ORWELL
...
caçar, conforme a estação do ano. A outra quinta, chamada
Pinchfield, era mais pequena e mais bem tratada. O seu dono
era um Sr. Frederick, um homem astuto e inflexível,
permanentemente envolvido em questões judiciais e com fama de
se envolver em problemas. Estes dois homens antipatizavam
tanto um com o outro que lhes era difícil chegar a acordo,
mesmo para defesa de interesses comuns.
No entanto, ambos estavam bastante assustados com a revolta
na Quinta dos Animais e desejosos de evitar que os seus
animais tomassem conhecimento dela. A princípio, fingiram
achar graça, desprezando a ideia de animais administrarem uma
quinta sozinhos' Disseram que aquilo não durava mais de quinze
dias. Espalharam que os animais da Quinta Manor (insistiam em
não lhe chamar Quinta dos Animais, por não suportarem o nome)
estavam constantemente a lutar uns com os outros e rapidamente
morreriam à fome. Com o passar do tempo, tornou-se evidente
que os animais não estavam a passar fome; Frederick e
Pilkington mudaram de tom e começaram a falar da terrível
crueldade que agora reinava na Quinta dos Animais. Fizeram
constar que os animais praticavam o canibalismo, se torturavam
uns aos outros com ferraduras em brasa e partilhavam as fêmeas
entre si. Tudo isto era consequência de uma revolta contra as
leis da Natureza, diziam Frederick e Pilkington.
Estas histórias, porém, não tiveram crédito total. De forma
vaga e distorcida, continuavam a circular rumores de uma
quinta maravilhosa, da qual
...
38
O TRIUNFO DOS PORCOS
...
os seres humanos tinham sido expulsos e onde os animais
dirigiam os seus próprios afazeres; e, durante esse ano, uma
onda de rebelião correu pelas regiões rurais. Touros que
haviam sido sempre dóceis tornavam-se selvagens, carneiros
derrubavam cercas e devoravam o trevo, vacas davam coices nos
baldes do leite, cavalos de raça rejeitavam as barreiras e
atiravam os seus cavaleiros para o outro lado. Acima de tudo,
a música e a letra de Animais da Inglaterra eram conhecidas em
todo o lado; a canção tinha-se propagado com espantosa
rapidez. O seres humanos não conseguiam conter a raiva quando
a ouviam, embora fingissem achá-la simplesmente ridícula. Não
podiam compreender, diziam, como é que, mesmo sendo animais,
conseguiam cantar tão ridículos disparates. Todo o animal que
fosse apanhado a cantar aquilo era imediatamente castigado.
Mesmo assim, era impossível evitar que o fizessem. Os melros
assobiavam-na nas sebes, os pombos arrulhavam-na nos ulmeiros,
misturava-se com o ruído das forjas e com a toada dos sinos
das igrejas. E quando os homens a ouviam, tremiam em segredo,
considerando-a como uma profecia da sua futura ruína.
Nos princípios de Outubro, quando os cereais ia estavam
ceifados e empilhados e alguns até debulhados, um bando de
pombos veio em turbilhão pelo ar e pousou no pátio da Quinta
dos Animais, numa grande excitação.
1 comment