Havia ali um homem, no entanto, que pelo semblante e atos formava uma visível exceção entre aqueles que compunham a última classe de espectadores, nem parecendo ocioso nem muito ignorante.
O corpo desse indivíduo era, até o último grau, desengonçado embora sem ser absolutamente deformado. Possuía todos os ossos e articulações dos homens normais, mas sem nenhuma de suas proporções. Ereto, sua estatura ultrapassava a das pessoas em volta; sentado, parecia reduzido aos limites ordinários da raça. Os mesmos contrastes nos membros pareciam repetir-se em todo aquele homem. A cabeça era grande; os ombros, estreitos; os braços, compridos e pendentes; as mãos, pequenas, embora não delicadas. As pernas e coxas eram magras, quase esqueléticas, mas de extraordinário comprimento, e os joelhos teriam sido considerados imensos caso não fossem superados pelos alicerces mais largos sobre os quais fora erigida tão profanamente essa falsa superestrutura das categorias humanas misturadas. A vestimenta mal combinada e mal escolhida do indivíduo tornava-lhe ainda mais visível o desengonçamento. Um casacão azul-celeste, com abas curtas e rodadas e pelerine caindo costas abaixo, expunha o longo e fino pescoço e as pernas ainda mais compridas e finas às piores artes que o mal pudesse perpetrar. A parte inferior da vestimenta era de nanquim amarelo, bem justa, e amarrada nos joelhos com grandes nós de fita branca, muito suja com o uso. Meias de algodão escuras e sapatos, um único dos quais equipado com uma espora laminada, completavam o trajo da parte inferior dessa figura, da qual nenhum dos ângulos ou curvas eram ocultados, mas, sim, deliberadamente exibidos pela vaidade ou displicência de seu dono. Debaixo da aba de um enorme bolso do colete sujo de seda bordada, abundantemente ornamentado com renda prateada manchada, projetava-se um instrumento que, por ser visto em tal companhia marcial, poderia ter sido facilmente confundido com algum perigoso e desconhecido instrumento de guerra. Pequeno como era, essa peça incomum despertara a curiosidade da maioria dos europeus do acampamento, embora se visse que vários dos provincianos o manejavam não só sem medo, mas também com grande familiaridade. Um grande chapéu civil de bico, igual àqueles usados por clérigos nos últimos trinta anos, encimava o todo, emprestando dignidade a um semblante bonachão e algo vazio que, aparentemente, precisava de alguma ajuda artificial para sustentar a gravidade de alguma missão nobre e extraordinária.
Enquanto o rebanho comum se mantinha à distância, em deferência aos alojamentos de Webb, a figura que acabamos de descrever entrou em passos duros no círculo de serviçais, fazendo livremente censuras ou elogios aos méritos dos cavalos, na medida em que lhe desagradavam ou agradavam a capacidade de julgamento.
— Esse animal, acho, amigo, não é de criação doméstica, mas de terras estrangeiras, talvez da própria pequena ilha do outro lado do mar, não? — disse ele, numa voz tão notável pela doçura e suavidade do tom como sua pessoa era estranha pelas proporções. — Posso falar nessas coisas sem ser gabola, pois estive nos dois portos, o que é situado no estuário do Tâmisa e que tem nome em homenagem à capital da Velha Inglaterra, e aquele que é chamado de “Haven”, com acréscimo da palavra “New”. E vi barcos e bergantins reunindo multidões, como os bichos que foram reunidos para a Arca, a caminho da ilha da Jamaica, para irem negociar e trocar quadrúpedes. Mas nunca, antes, vi um animal que confirmasse tanto como esse a descrição do corcel de guerra da Sagrada Escritura: “Escarva no vale, folga na sua força, e sai ao encontro dos armados. Em cada sonido da trombeta, ele diz: Avante!” Ha-ha! “Cheira de longe a batalha, o trovão dos príncipes e o alarido.” Pareceria que a raça de cavalo de Israel desceu sobre nosso próprio tempo, não é assim, amigo?
Não recebendo resposta a esse extraordinário discurso, que, na verdade, tendo sido pronunciado com o vigor de tons cheios e sonoros, merecia alguma atenção, ele que assim cantara a linguagem do Livro Sagrado, virou-se para a figura silenciosa a quem sem querer se dirigira e descobriu um novo e mais forte assunto digno de admiração no objeto em que pousou a vista. Seus olhos caíram sobre o corpo imóvel, ereto e rígido do “mensageiro índio” que trouxera ao acampamento, na noite anterior, a infausta notícia. Embora se encontrasse num estado de perfeito repouso e, aparentemente, ignorando com estoicismo característico a agitação e azáfama em volta, havia no selvagem uma taciturna ferocidade misturada com tranquilidade que provavelmente despertariam a atenção de olhos muito mais experientes do que aqueles que, nesse momento, o examinavam com maldisfarçado espanto. Embora o nativo estivesse armado com a machadinha de guerra e a faca de sua tribo, sua aparência não era inteiramente a de um guerreiro. Muito ao contrário, tinha uma aparência de abatimento, como a que poderia ter sido causada por grandes e recentes esforços, dos quais não tivera ainda tempo de se recobrar. As cores da pintura de guerra haviam se misturado em sombria confusão em seu rosto feroz e lhe tornado os traços morenos ainda mais selvagens e repulsivos do que se a arte tivesse tentado produzir o efeito que fora produzido pelo acaso. Só os olhos, que brilhavam como uma estrela ígnea sob nuvens baixas, eram vistos em seu estado de selvageria nativa. Durante um único momento, seu olhar indagador, mas ainda assim cauteloso, encontrou o olhar curioso do outro homem e, em seguida, mudando de direção, em parte por esperteza e até certo ponto por desdém, permaneceu fixo, como se penetrando no ar distante.
É impossível dizer que inesperado comentário essa comunicação rápida e silenciosa entre dois homens tão singulares poderia ter despertado no homem branco, não tivesse sua irrequieta curiosidade sido atraída por outros objetos. Um movimento geral entre os criados e um baixo som de vozes educadas anunciaram a aproximação daqueles cuja presença apenas era necessária para permitir que o grupo montado se pusesse em movimento. O admirador simples do corcel de guerra imediatamente recuou para junto de uma égua baixa, magra, de cauda enrolada, que distraidamente tirava nacos da erva desbotada que crescia por perto. Colocando um cotovelo sobre o cobertor que escondia um arremedo de sela, nosso homem tornou-se um espectador da partida, enquanto um potro fazia tranquilamente seu repasto matutino no outro lado do mesmo animal.
Um homem moço, fardado de oficial, levou às montarias duas mulheres que, a julgar por seus trajos, estavam preparadas para enfrentar as fadigas de uma jornada pela floresta. Uma delas, a de aparência mais juvenil, embora as duas fossem jovens, permitia que se tivessem vislumbres de seu rosto estonteante, de seus belos cabelos louros e de seus brilhantes olhos azuis através do véu de cor verde que inocentemente deixava que fosse soprado pelo vento e que lhe descia do chapéu de pelo de castor. O rubor que ainda perdurava sobre os pinheiros no céu do oeste não era mais brilhante nem mais delicado do que a tonalidade de seu rosto, nem o dia que começava era mais alegre do que o sorriso animado que dispensou ao jovem cavalheiro quando este a ajudou a subir à sela. A outra, que parecia compartilhar igualmente das atenções do jovem oficial, escondia seus encantos do olhar da soldadesca com um cuidado que parecia mais apropriado à experiência de quatro ou cinco anos a mais de idade.
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