— A estrada fica para o lado de lá, a pelo menos uns 800 metros às suas costas.

— Ainda assim — retrucou o estranho, em nada abalado pela fria recepção. — Demorei-me por uma semana em “Edward” e seria muito estúpido se não tivesse feito perguntas sobre a estrada por onde pretendia viajar. E se fosse estúpido, isso seria o fim de meu ofício. — Depois de murmurar em voz baixa alguma coisa, como alguém cuja modéstia proibia uma manifestação mais clara de sua admiração por um dito de espírito, que passara inteiramente despercebido a seus interlocutores, continuou: — Não é prudente para um homem de minha profissão ser íntimo demais daqueles a quem vai instruir, razão pela qual não sigo o eixo do exército. Além do mais, concluo que um cavalheiro de seu caráter é capaz do melhor julgamento em matéria de jornada. Resolvi, por conseguinte, fazer companhia aos senhores, a fim de que a viagem possa tornar-se agradável e possamos participar de um algum convívio social.

— Uma decisão muito arbitrária, se é que não precipitada! — exclamou Heyward, sem saber ainda se dava vazão à raiva crescente ou se ria na cara do outro. — Mas o senhor fala de instrução e de uma profissão. Será o senhor um adjunto do corpo de tropa provinciano, como mestre da nova ciência de ataque e defesa, ou, talvez, um homem que traça linhas e ângulos sob o fingimento de ensinar matemática?

Espantado, o estranho olhou por um momento para seu interrogador. Em seguida, perdendo todos os sinais de presunção e adotando uma expressão de solene humildade, respondeu:

— De ataque, espero que não haja nenhum, de nenhum dos dois lados. De defesa, não faço nenhuma... não tendo, mercê de Deus, cometido qualquer pecado palpável desde que lhe invoquei pela última vez a compaixão. Não compreendi sua alusão sobre linhas e ângulos e deixo a exposição desses assuntos àqueles que foram chamados e escolhidos para esse santo mister. Não reclamo para mim talento mais alto do que uma pequena intuição da gloriosa arte de pedir e dar graças, da forma praticada nos cânticos sagrados.

— Esse homem é, quanto a isso não há dúvida, um discípulo de Apolo — exclamou a divertida Alice —, e eu o tomo sob minha proteção especial. Agora, acabe com essa cara feia, Heyward, e por piedade de meus ouvidos ansiosos, deixe que ele se junte a nós. Além do mais — acrescentou em voz baixa e preocupada, lançando um olhar para a distante Cora, que seguira os passos do silencioso e sombrio guia —, ele pode ser um amigo a aumentar nossa força, em caso de necessidade.

— Você pensa, Alice, que eu confiaria pessoas que amo a esta trilha, se achasse que tal necessidade poderia surgir?

— Não, não, não penso em nada disso agora. Mas esse homem estranho me diverte e, se ele “tem música na alma”, não lhe rejeitemos grosseiramente a companhia.

Apontou persuasivamente com o rebenque para o caminho, enquanto os olhos de ambos se encontravam com uma expressão que o jovem oficial quis, por um momento, prolongar. Mas em seguida, curvando-se à suave influência da moça, fincou as esporas no corcel e em uns poucos saltos chegou novamente ao lado de Cora.

— Estou satisfeita em conhecê-lo, amigo — continuou a moça, convidando com um gesto o estranho para que se aproximasse, ao mesmo tempo em que acicatava o Narragansett para continuar a furta-passo. — Parentes facciosos quase me convenceram de que não sou inteiramente sem valor em um dueto, e podemos animar nossa viagem praticando nosso passatempo favorito. Pode ser uma grande vantagem para mim, ignorante como sou, ouvir as opiniões e a experiência de um mestre na arte.

— É animador tanto para o espírito quanto para o corpo praticar cânticos sagrados em estações convenientes — respondeu o mestre de canto, obedecendo sem hesitar a sugestão dela para que a seguisse —, e nada alivia mais a mente do que um convívio assim tão consolador. Mas quatro vozes são absolutamente necessárias para a perfeição da melodia. A senhora dá todos os indícios de possuir um soprano suave e rico. Eu, por bondade especial de Deus, posso cantar como tenor até a nota mais alta, mas temos que ter o contraponto e um baixo! O oficial do rei, que hesitou em me aceitar em sua companhia, poderia preencher este último papel, se posso julgar pelas entonações de sua voz no diálogo comum.

— Não julgue com rigor demais à vista de aparências apressadas e enganosas — disse a moça, sorrindo. — Embora o major Heyward possa emitir notas profundas ocasionalmente, acredite-me que seus tons naturais são mais para tenor harmonioso do que para o baixo que ouviu.

— Neste caso, então, ele é muito experiente na arte dos cânticos sagrados? — perguntou o simplório companheiro de viagem.

Alice sentiu vontade de rir, mas conseguiu reprimir o divertimento, antes de responder:

— Acho que ele é mais viciado em canções profanas. As oportunidades da vida de um soldado são pouco apropriadas para inclinações mais sérias.

— A voz do homem, como outros talentos, lhe é dada para ser usada, não abusada. Ninguém pode dizer que jamais me viu negligenciar meus dons! Sou grato a Deus porque, embora se possa dizer que minha juventude foi predestinada, como a juventude do real David, para as finalidades da música, nenhuma sílaba de versos chulos jamais me profanou os lábios.

— O senhor, então, limitou seus esforços aos cantos sagrados?

— Ainda assim. Uma vez que os salmos de David excedem todas as demais linguagens, assim aconteceu com os cânticos sagrados que foram adaptados a eles pelas figuras divinas e pelos sábios da terra, que superam toda a vã poesia. Por sorte, posso dizer que nada expresso que não os pensamentos e os desejos do próprio Rei de Israel. Isso porque, embora os tempos possam pedir algumas ligeiras mudanças, mesmo assim essa versão que usamos nas colônias da Nova Inglaterra excede tanto todas as outras que, pela sua riqueza, exatidão e simplicidade espiritual, ela se aproxima, tanto quanto é possível, da grande obra do autor inspirado. Nunca passo tempo algum em um lugar, dormindo ou acordado, sem dar um exemplo de sua obra abençoada. Essa edição nº 620, promulgada em Boston, Anno Domini 1744, é intitulada Os Salmos, Hinos e Cantos Espirituais do Velho e Novo Testamento, fielmente traduzidos para a Métrica Inglesa para Uso, Edificação e Conforto dos Santos, em Público e Privado, especialmente na Nova Inglaterra.

Durante esse elogio à fina produção dos poetas nativos, o estranho tirara o livro do bolso e, colocando no nariz um par de óculos de aros de ferro, abriu o volume com um cuidado e veneração apropriados às suas sagradas finalidades.