O homem falou: “Obrigado — obrigado”, e lá ficou, as vacas mugindo uma vez mais à medida que nos afastávamos na noite.
Pensei na primeira ovelha que me lembro de ter visto — centenas delas, nosso carro adentrando o rebanho no terreno dos fundos do velho estúdio Laemmle. Os bichos não estavam felizes com aquele negócio de fazer filme, mas os homens que iam conosco no carro não paravam de dizer:
“Maravilhoso!”
“Era o que você queria, Dick?”
“Não é uma maravilha?” E o homem chamado Dick continuava de pé no carro, como se fosse Cortez ou Balboa, vendo ondular o mar de lã cinzenta. Se eu sabia qual era o filme que faziam, há muito tempo já esqueci.
Tínhamos rodado por uma hora. Cruzamos um riacho por sobre uma velha e gemebunda ponte de ferro e tábuas. Agora havia galos que cantavam e sombras verde-azuladas toda vez que passávamos por uma casa rural.
“Falei pra vocês que logo ia amanhecer”, disse Wylie. “Nasci perto daqui — filho de família sulista pobre, quase indigente. A mansão da família hoje é usada como casinha de banheiro. Contávamos com quatro empregados — meu pai, minha mãe e minhas duas irmãs. Eu me recusei a seguir o mesmo caminho, então fui para Memphis começar minha carreira, que agora chegou a um beco sem saída.” Ele passou o braço em torno dos meus ombros: “Cecilia, casa comigo, e a gente divide a fortuna dos Brady?”.
Ele sabia bem como vencer resistências, de modo que encostei a cabeça em seu ombro.
“O que você faz, Cecilia? Estuda?”
“Na Bennington. Terceiro ano.”
“Ah, me perdoe. Eu devia saber, mas não cheguei a ter o privilégio de frequentar uma faculdade. Terceiro ano, é? — li na Esquire que a esta altura os estudantes já não têm muito o que aprender, Cecilia.”
“Por que as pessoas pensam que moças de faculdade…”
“Não se justifique — conhecimento é poder.”
“Só de ouvir você falar já daria pra saber que estávamos a caminho de Hollywood”, eu disse. “Um lugar sempre tão retrógrado, anos e anos atrasado.”
Ele se fingiu de chocado.
“Está me dizendo que as moças da Costa Leste não têm vida privada?”
“Aí que está. Elas têm vida privada. Você está me incomodando, chega pra lá.”
“Não dá. Posso acabar acordando o Schwartz, e acho que esta é a primeira vez que ele consegue dormir em semanas. Escute, Cecilia: uma vez tive um caso com a esposa de um produtor. Um romance muito curto. Quando acabou, ela foi categórica ao me dizer: ‘Nunca, jamais comente sobre isso, ou vai ser expulso de Hollywood. Meu marido é um homem muito mais importante do que você!’.”
Passei a gostar dele de novo, e naquele momento o táxi entrou numa longa alameda perfumada de madressilvas e narcisos, parando junto ao enorme maciço cinzento da casa de Andrew Jackson. O motorista se virou para nos dizer alguma coisa sobre ela, mas Wylie pediu que não falasse, apontando para Schwartz, e descemos do carro sem alarde.
“Não podem entrar na mansão a esta hora”, comentou educadamente o taxista.
Wylie e eu nos sentamos nos degraus junto a largas colunas.
“E esse sr. Schwartz?”, perguntei. “Quem é?”
“Dane-se o Schwartz. Foi diretor de um dos estúdios associados algum dia — First National? Paramount? United Artists? Agora está por baixo. Mas volta. Ninguém que não seja um bocó ou um bêbado consegue ser proscrito do cinema.”
“Você não gosta de Hollywood”, palpitei.
“Gosto, sim. Claro que gosto. Caramba! Isto não é assunto pra se conversar na escadaria da casa de Andrew Jackson — de madrugada.”
“Eu é que gosto de Hollywood”, insisti.
“Tá certo. É uma cidade assentada sobre o ouro, reino do alucinógeno. Quem disse isso? Eu mesmo.
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