Fiz um grande esforço, uma vez mais espantei as lembranças da noite e fui novamente examinar a linhagem de minha santa poetisa. Ao mesmo tempo, não poderia esquecer que havia sido trancado em meu quarto, e, naquela noite, quando Felipe trouxe meu jantar, abordei-o cautelosamente sobre as questões de meu interesse.
– Nunca vejo sua irmã – disse eu casualmente.
– Oh, não – respondeu. – Ela é uma garota muito boa. – E sua mente instantaneamente voou para longe.
– Sua irmã é religiosa, eu suponho – perguntei na sequência.
– Oh! – ele disse, juntando as mãos com extremo fervor. – Uma santa. É ela quem me mantém de pé.
– Você é privilegiado – eu disse. – A maioria de nós, temo, e eu me incluo, somos melhores decaindo.
– Senhor – disse Felipe solenemente. – Eu não diria isso. O senhor não deve tentar o seu anjo. Se alguém decai, onde ele está para impedir?
– Ora, Felipe – eu disse –, não tinha ideia de que você era um pregador, e, devo dizer, um dos bons. Mas suponho que seja influência de sua irmã.
Ele assentiu com os olhos.
– Então – continuei –, ela sem dúvida o repreendeu pelo pecado da crueldade.
– Doze vezes! – ele gritou. E foi com essa frase que aquela estranha criatura expressou sua percepção de frequência. – E eu disse a ela que o senhor também o havia feito. Lembro-me daquilo – ele acrescentou orgulhosamente. – E ela ficou feliz.
– Então, Felipe – eu disse –, que gritos foram aqueles da noite passada? Certamente eram de alguma criatura sofrendo.
– O vento – respondeu Felipe, olhando para o fogo.
Peguei sua mão, e, pensando ser um gesto de carinho, ele sorriu com um ar de prazer que o desarmou. Mas eu toquei em sua fraqueza.
– O vento – repeti. – E, ainda assim, acho que foi essa mão – disse, segurando-a com firmeza – que me trancou.
O rapaz ficou visivelmente em choque, mas não disse palavra.
– Bem – prossegui –, sou um estranho e um inquilino. Não é meu papel interferir nem julgar seu comportamento. Nessas questões, você deve ouvir os conselhos de sua irmã, que, não duvido, serão excelentes. Mas, no que concerne a mim, não serei prisioneiro de homem algum, e exijo a chave do meu quarto.
Meia hora depois, minha porta foi subitamente aberta, e a chave, arremessada ao chão.
Um dia ou dois depois, voltava de uma caminhada um pouco antes do meio-dia. A senhora estava deitada, entregue a um cochilo na entrada dos aposentos; os pombos descansavam embaixo dos beirais como bolas de neve; a casa estava imersa em uma profunda quietude; e apenas um leve e gentil vento das montanhas passeava pelos corredores, sussurrava pelas romãzeiras e agradavelmente agitava as sombras. Algo na quietude me tocou. Cruzei lentamente o pátio e subi a escadaria de mármore. Meu pé estava no último degrau quando uma porta se abriu e me vi frente a frente com Olalla. A surpresa me paralisou; sua beleza atropelou meu coração; ela brilhava na profunda sombra do corredor, uma gema de cor; seus olhos encontraram os meus, lá ficaram, e se uniram como se unem as mãos. Os momentos em que ficamos face a face, bebendo um ao outro, foram sacramentais, casamento de almas. Não sei quanto tempo durou até que eu acordasse de um transe profundo e, curvando-me apressadamente, venci o último degrau. Ela não se moveu, mas seguiu-me com seus grandes olhos sedentos. Quando saí do alcance de sua visão, me pareceu que ela havia empalidecido e desaparecido.
Em meu quarto, abri a janela e olhei para fora, mas não consegui descobrir que mudança havia ocorrido naquela austera cadeia de montanhas que pudesse tê-las feito cantar e brilhar sob o céu sublime. Eu a tinha visto: Olalla! E o penhasco rochoso respondia: “Olalla!”.
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