Pois, assim que ouvi a história, lembrei de você. Disse-lhe que conhecia um oficial ferido, ferido em causa nobre, que agora estaria necessitando mudar de ares, e propus que seus amigos o recebessem como inquilino. Instantaneamente, o semblante do padre ficou sombrio, como eu havia previsto.
– Está fora de questão – ele disse.
– Então, deixe que morram de fome, já que não tenho nenhuma compaixão por orgulho de maltrapilho – respondi. Em seguida nos separamos, não muito contentes um com o outro. Mas ontem, para minha surpresa, o padre retornou.
– A dificuldade que encontrei quando fiz a proposta foi menor do que temia – disse ele. Ou, em outras palavras, aquelas pessoas guardaram o orgulho no bolso. Aceitei a oferta e, sujeito à sua aprovação, reservei aposentos na residência. O ar daquelas montanhas renovará seu sangue, e a tranquilidade na qual viverá lá vale mais que todos os remédios do mundo.
– Doutor – eu disse –, você tem sido o meu anjo da guarda, e seu conselho é uma ordem. Mas, me diga, por favor, algo sobre a família com a qual vou morar.
– Estou chegando lá – respondeu meu amigo. – Na verdade, existem certas dificuldades no caminho. Esses coitados, como eu disse, têm ascendência muito nobre e permanecem inchados com a mais infundada vaidade. Viveram por várias gerações em crescente isolamento, afastando-se dos ricos, que agora estão muito além, e dos pobres, a quem ainda acham muito aquém. E mesmo hoje, quando a pobreza os força a destrancar sua porta para um hóspede, não podem fazê-lo sem uma condição das mais indelicadas. Você deve permanecer, como dizem, um estranho. Eles lhe darão assistência, mas recusam a ideia de qualquer intimidade.
Não vou negar que fiquei ofendido e que talvez isso tenha reforçado meu desejo de aceitar a oferta, pois estava confiante de que poderia quebrar as barreiras se quisesse.
– Não há nada de ofensivo nessa condição – eu disse –, e até mesmo simpatizo com o sentimento que a inspirou.
– É verdade que nunca o viram – respondeu o doutor polidamente. – E se soubessem que você é o homem mais belo e agradável que já veio da Inglaterra (onde, me contaram, homens bonitos são comuns, mas os agradáveis são poucos), sem dúvida o fariam sentir-se mais bem recebido. No entanto, como você encarou a questão tão bem, não importa. A mim, na verdade, parece grosseiro. Mas será bom para você. A família não o seduzirá muito. Uma mãe, um filho e uma filha: uma senhora que dizem ser fútil, um rapaz grosseiro e uma garota do campo, a quem seu confessor tem em alto conceito, mas que, ainda assim – sorriu maliciosamente o médico –, provavelmente é feia. É difícil atrair a atenção de um oficial arrojado.
– E você ainda diz que são bem-nascidos – contestei.
– Bem, quanto a isso, deveria ser mais específico – retrucou o médico. – A mãe é, não as crianças. A mãe foi a última representante de uma linhagem opulenta, decadente tanto em virtude quanto em fortuna. Seu pai não apenas ficou pobre, mas também louco: e a garota viveu solta pela casa até a sua morte. Então, com a maior parte da fortuna tendo morrido com ele e com a família quase extinta, a garota ficou mais selvagem do que nunca, até que finalmente se casou, sabe Deus com quem. Um muleteiro{1}, dizem alguns; um contrabandista, dizem outros; e há também os que dizem que não houve nenhum casamento, e que Felipe e Olalla são bastardos. A união, qual tenha sido, foi dissolvida tragicamente alguns anos atrás, mas vivem em reclusão, e o país na época estava em tamanha desordem que o verdadeiro fim do homem só é conhecido pelo pároco, se é que ele sabe.
– Começo a pensar que verei coisas extraordinárias – eu disse.
– Eu não fantasiaria se fosse você – respondeu o médico. – Encontrará, temo eu, uma realidade muito humilhante e trivial. Felipe, por exemplo, eu já vi.
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