Ele se afastou de mim na mesma hora, como se eu fosse um animal prestes a dar o bote ou alguém perigoso com uma arma. E, quando se aproximou da porta, olhou-me fixamente com o semblante contraído.
– Não – ele disse finalmente e, no momento seguinte, saiu ruidosamente do quarto. Ouvi seus pés descendo as escadas, tão leves quanto o barulho da chuva, e a casa se fechou em silêncio.
Após cear, arrastei a mesa para perto da cama e comecei a me preparar para dormir. No entanto, com a nova posição da luz, fiquei impressionado com um quadro na parede. Representava uma mulher ainda jovem. A julgar pela vestimenta e pela uniformidade que reinava sobre a tela, deveria ter morrido há muito. Pela vivacidade da postura, dos olhos e dos traços, parecia estar contemplando num espelho a imagem da vida. Sua silhueta era fina, forte e de proporções perfeitas. Tranças ruivas contornavam sua testa como uma coroa. Seus olhos, de um castanho dourado, se apoderaram dos meus; e sua face perfeita tinha uma expressão cruel, sombria e ao mesmo tempo sensual. Algo naquele rosto e naquela imagem, algo estranhamente intangível, como o eco de um eco, lembrava as características e a postura do meu guia, e fiquei atraído por um tempo, pensando sobre a incrível semelhança. A herança comum que originalmente havia produzido tais damas de alta classe, como a que agora me olhava da tela, tinha decaído aos mais baixos costumes, usando roupas camponesas, sentando num banco, segurando as rédeas de uma carroça puxada a mula, trazendo um inquilino para casa. Talvez ainda existisse alguma ligação; talvez um pouco da delicadeza, que um dia foi vestida com o cetim e os brocados da senhora morta, agora tenha estremecido ao contato com a grosseria rude de Felipe.
A primeira luz da manhã caiu em cheio sobre o retrato, e, já desperto, mas ainda na cama, meus olhos continuaram a mirá-lo com crescente contemplação. Sua beleza se insinuava até meu coração, silenciando meus escrúpulos um a um e, mesmo consciente de que amar uma mulher como essa seria assinar e selar a própria sentença de degeneração, também sabia que, se estivesse viva, eu a amaria. Dia após dia, a consciência dúbia de sua perversidade e da minha fraqueza cresceram claramente. Ela se tornou a heroína de muitos dos meus sonhos, onde seus olhos me arrastavam a crimes e também me recompensavam. Ela lançou uma sombra obscura em minha imaginação e, quando eu estava lá fora, ao ar livre, fazendo exercícios vigorosos e saudavelmente renovando meu sangue, era frequente a boa lembrança de que minha encantadora senhora estava segura, na tumba, seu cetro de beleza quebrado, seus lábios fechados em silêncio, sua poção derramada. E, ainda assim, eu tinha um ligeiro pavor de que ela pudesse não estar morta, mas reencarnada no corpo de algum descendente.
Felipe servia as refeições nos meus aposentos, e sua semelhança com o retrato me assombrava. Algumas vezes nem tanto; em outras, diante de alguma mudança de atitude ou expressão momentânea, era como se saltasse sobre mim como um fantasma. E, acima de tudo, era quando estava de mau humor que a semelhança triunfava. Certamente, ele gostava de mim. Tinha orgulho de eu tê-lo notado e parecia querer chamar minha atenção por meio de gestos simples e inocentes; adorava sentar perto de mim, ao fogo, falar suas bobagens desconexas ou cantar suas músicas estranhas, intermináveis e sem palavras, e algumas vezes passar a mão sobre minhas roupas de um jeito afetivo e cuidadoso que sempre me causava certo embaraço do qual eu me envergonhava. Mas, apesar disso tudo, ele era capaz de momentos de raiva inexplicáveis e acessos de mau humor. Uma palavra de reprovação era capaz de fazê-lo virar o prato em que eu estava prestes a comer; não dissimuladamente, mas num desafio similar a um toque de inquisição. Eu não era assim tão curioso, estando num lugar estranho, cercado por pessoas estranhas; mas, à sombra de uma pergunta, ele se afastava ameaçador e perigoso. E assim, por uma fração de segundo, esse rapaz rude ganhava toda a aparência de irmão da senhora na moldura. Mas esses humores sombrios logo se dissipavam, e a semelhança sumia com eles.
Nesses primeiros dias, não vi ninguém que devesse ser levado em conta além de Felipe e do retrato. E, como o rapaz tinha uma mente fraca e momentos de paixão, poderia se esperar que eu penetrasse sua perigosa vizinhança com tranquilidade. Para falar a verdade, foi por algum tempo irritante, mas logo consegui ter sobre ele tal autoridade que pude amansar minha inquietação.
Aconteceu desta forma: ele era por natureza preguiçoso, tido como um vagabundo, e ainda assim mantinha a casa. Não apenas supria as minhas demandas, como trabalhava todos os dias no jardim e na pequena chácara ao sul da residência.
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