Browne, cada um com a cabeça para fora de uma janela. A dificuldade era saber em que ponto do caminho deixar o sr. Browne, e do vão da porta a Tia Kate, a Tia Julia e Mary Jane contribuíram para a discussão com rotas alternativas e contradições e muitas risadas. Quanto a Freddy Malins, mal conseguia falar de tanto rir. A todo instante enfiava a cabeça para fora da janela, oferecendo assim grandes riscos ao próprio chapéu, e contava para a mãe como a discussão estava evoluindo até que por fim o sr. Browne gritou para o atônito cocheiro em meio às risadas de todos:

— O senhor sabe onde fica o Trinity College?

— Sei, senhor, respondeu o cocheiro.

— Então nos leve até os portões do Trinity College, disse o sr. Browne, e quando chegarmos eu digo ao senhor para onde ir. Entendido?

— Entendido, senhor, disse o cocheiro.

— Vamos direto até o Trinity College.

— Certo, senhor, disse o cocheiro.

O cavalo foi açoitado e o coche saiu balançando pelo cais em meio a um coro de risadas e despedidas.

Gabriel não tinha ido até a porta com os outros. Estava em uma parte escura do vestíbulo olhando para o alto da escada. Uma mulher estava postada quase no alto do primeiro lance, também na sombra. Não conseguia enxergar-lhe o rosto mas percebeu os painéis terracota e salmão da saia, que a escuridão revelava apenas em preto e branco. Era a esposa dele. Estava apoiada no corrimão, escutando. Gabriel se surpreendeu ao vê-la imóvel e também apurou o ouvido para escutar. Não ouviu quase nada além do barulho das risadas e discussões nos degraus da entrada, apenas uns acordes feridos ao piano e as notas de uma voz masculina cantando.

Permaneceu imóvel na escuridão do vestíbulo, tentando identificar a melodia entoada pela voz enquanto observava a esposa. Havia graça e mistério naquela pose, como se ela fosse o símbolo de alguma coisa. Perguntou a si mesmo o que uma mulher parada nas sombras de um lance de escada, ouvindo uma música distante, poderia simbolizar. Se fosse pintor, gostaria de pintá-la naquela pose. O chapéu de feltro azul destacaria o bronze dos cabelos contra a escuridão e os painéis escuros da pele realçariam os mais claros. Chamaria o quadro de Música distantese fosse pintor.

A porta do vestíbulo fechou-se; e a Tia Kate, a Tia Julia e Mary Jane atravessaram o vestíbulo ainda rindo.

— Como o Freddy é tinhoso!, exclamou Mary Jane. Muito tinhoso.

Gabriel não disse nada mas apontou para o lance de escada onde a esposa continuava imóvel. Com a porta do vestíbulo fechada, a voz e o piano tornaram-se mais audíveis. Gabriel ergueu a mão para que fizessem silêncio. A canção sugeria a antiga tonalidade irlandesa e o cantor parecia estar incerto em relação à letra e também à própria voz. A voz, tornada ainda mais plangente pela distância e pela rouquidão do cantor, conferia um brilho tênue à cadência da melodia graças à melancolia da letra:



O, the rain falls on my heavy locks

And the dew wets my skin,

My babe lies cold...



— Ah, exclamou Mary Jane. Bartell D’Arcy está cantando... justo ele, que durante a noite inteira não quis saber de cantar! Ah, eu vou pedir para ele cantar para nós antes de ir embora.

— Ah, por favor, Mary Jane, disse a Tia Kate.

Mary Jane passou roçando pelos outros e subiu correndo a escada mas antes que chegasse ao andar de cima o canto parou e a tampa do piano fechou-se de repente.

— Ah, que pena!, disse. Ele está descendo, Gretta?

Gabriel ouviu a esposa responder com uma afirmativa e a viu descer em direção a eles. Logo atrás estavam o sr. Bartell D’Arcy e a srta.